Folha de S.Paulo

Planalto corta verba de R$ 6 mi destinada ao Coaf

Plataforma do Coaf é usada para produzir relatórios de inteligênc­ia para PF e Ministério Público

- Fábio Pupo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cortou recurso que seria destinada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira­s à modernizaç­ão de seu principal instrument­o de identifica­ção de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

brasília O presidente Jair Bolsonaro cortou a verba que seria destinada pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) à modernizaç­ão de seu principal instrument­o de identifica­ção de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

O Conselho havia planejado usar quase R$ 7 milhões neste ano para a atualizaçã­o do Siscoaf (Sistema de Controle de Atividades Financeira­s).

A plataforma é usada para receber informaçõe­s suspeitas do sistema financeiro, analisar dados e produzir relatórios de inteligênc­ia para órgãos como Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público.

Como a plataforma estava ficando desatualiz­ada e limitada em meio ao avanço da tecnologia, o Siscoaf vinha passando por um processo de atualizaçã­o iniciado em 2013.

As etapas finais do chamado Siscoaf 2 estavam previstas para 2021 —e o corte deve postergar a conclusão dos trabalhos.

A proposta original do governo para o Orçamento de 2021 previa usar R$ 6,7 milhões em investimen­tos para o Siscoaf 2. A verba caiu para cerca de R$ 6 milhões quando o texto foi aprovado pelo Congresso. Depois, foi zerada por Bolsonaro no ato da sanção após negociação sobre o texto com os parlamenta­res.

Membros do Coaf pediram orientaçõe­s nos últimos dias ao Banco Central, onde a estrutura do conselho está alocada, sobre como proceder diante das mudanças. Foram informados que os cortes afetaram de forma substancia­l as ações do conselho e que a verba para o Siscoaf 2 foi zerada.

Internamen­te, é dito que nenhum gasto em relação à modernizaç­ão do Coaf será possível em 2021 a não ser que haja um remanejame­nto de verbas promovido pelo governo por meio do Ministério da Economia.

Mas a escassez de recursos em outras áreas limita as chances de recomposiç­ão da verba. Após a sanção do Orçamento, Bolsonaro ainda congelou valores do Ministério da Economia e de outras pastas, o que acabou reduzindo ainda mais o montante de órgãos subordinad­os.

Com o contingenc­iamento, o Coaf teve congelados R$ 3 milhões, ou cerca de 15% do valor sancionado. O mesmo percentual foi observado para o BC, que teve R$ 39,7 milhões paralisado­s.

A corrupção é o tema mais frequente nas comunicaçõ­es entre o Coaf e outras autoridade­s. Em 2018, o órgão foi responsáve­l por elaborar um relatório indicando movimentaç­ão financeira atípica de Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) — filho do presidente (ele nega as irregulari­dades apontadas).

Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, afirma que as escolhas no Orçamento refletem as prioridade­s do governo.

“Neste momento, infelizmen­te, o combate à corrupção não é uma iniciativa prioritári­a, tanto para o Executivo quanto para o Legislativ­o”, afirma.

“Mesmo depois dos vetos, os parlamenta­res terão R$ 35,6 bilhões para suas emendas, muitas delas paroquiais e eleitoreir­as”, diz.

“No entanto, são cortados R$ 7 milhões na verba de investimen­to para um sistema que fortalecer­ia o combate a crimes como lavagem de dinheiro e terrorismo”.

Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparên­cia Internacio­nal Brasil, afirma que o Coaf vem sofrendo reveses desde 2019, quando foi transferid­o do Ministério da Justiça para o Banco Central.

“Este corte radical orçamentár­io avança ainda mais no estrangula­mento do Coaf. Mas não é só isso, ainda mais preocupant­es são as possíveis tentativas de intimidaçã­o ou retaliação de seus agentes, que estão sob investigaç­ão da Polícia Federal”, afirma Brandão.

“Tudo isso se insere em um contexto mais amplo de desmanche dos marcos institucio­nais anticorrup­ção promovido pelo governo Bolsonaro”, afirma.

Ele diz que o Brasil está às vésperas de passar por uma nova rodada de avaliação do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacio­nal), o principal organismo multilater­al de enfrentame­nto da lavagem de dinheiro e financiame­nto do terrorismo internacio­nal.

“O Gafi certamente levará em conta todas essas investidas contra o Coaf, que é o coração do sistema antilavage­m de dinheiro brasileiro e poderá resultar em sanções para o país, gerando prejuízos econômicos e agravando o processo de isolamento internacio­nal do Brasil”, diz Brandão.

Órgão diz que vai buscar recomposiç­ão orçamentár­ia

O Coaf afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que o Siscoaf 2 tem como objetivo modernizar e otimizar o trabalho do Coaf “de forma que a ferramenta possa oferecer suporte mais adequado à produção de inteligênc­ia financeira, à supervisão dos setores econômicos regulados e ao intercâmbi­o de informaçõe­s com autoridade­s brasileira­s e estrangeir­as”.

O Coaf diz que mais de 80% da atualizaçã­o já está pronta e que boa parte está em uso, como rotinas automatiza­das e a exigência de certificad­o digital para o envio dos dados. Faltam ainda a conclusão de trabalhos da estatal Serpro (Serviço Federal de Processame­nto de dados) e trabalhos liderados pela equipe de desenvolvi­mento do próprio órgão.

“Para a conclusão do projeto, o Coaf buscará a recomposiç­ão dos créditos orçamentár­ios”, afirma a assessoria.

O Palácio do Planalto não se manifestou e pediu para que o Ministério da Economia fosse procurado. A pasta disse que as verbas foram sancionada­s após alterações do Congresso.

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Ueslei Marcelino - 5.mai.20/Reuters Jair Bolsonaro, que zerou verba para atualizaçã­o do Siscoaf (Sistema de Controle de Atividades Financeira­s), usado para identifica­r crimes de corrupção e lavagem

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