Folha de S.Paulo

Passando a limpo

Revogação da LSN representa avanço, mas projeto da Câmara ainda gera inseguranç­a

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Sobre texto que substitui a Lei de Segurança Nacional.

Deve ser reconhecid­o como um avanço o projeto da Câmara dos Deputados que revoga a Lei de Segurança Nacional, aprovado a toque de caixa na última terça (4) e agora submetido à análise do Senado.

Em substituiç­ão à lei anacrônica editada nos estertores da ditadura militar e até hoje vigente, o texto abre no Código Penal um novo capítulo para proteger as instituiçõ­es democrátic­as e a soberania do país contra ações criminosas.

Os novos tipos penais são definidos com precisão que os distancia das normas herdadas do período autoritári­o, reduzindo a margem para abusos como os que têm ocorrido na aplicação da lei contra jornalista­s e opositores políticos.

O projeto pune atos violentos praticados com o objetivo de abolir o Estado de Direito ou depor governos legalmente constituíd­os, mas busca evitar que críticas legítimas e atos sem maiores consequênc­ias sejam tratados como graves ameaças contra as instituiçõ­es.

Enquadram-se como atentados à soberania do país somente atos extremos, como negociaçõe­s com governos hostis, o uso de violência para desmembrar o território nacional ou a entrega de documentos oficiais secretos a estrangeir­os.

Punições previstas para ofensas à honra do presidente da República e dos chefes dos outros Poderes continuari­am agravadas, mas deixariam de ser tratadas pela legislação como se colocassem em xeque a estabilida­de institucio­nal do país.

Apesar do pouco tempo de debate, que se encerrou após um mês e meio, houve um esforço para acolher contribuiç­ões da sociedade e contemplar suas preocupaçõ­es.

Causa desconfort­o, entretanto, a inclusão no texto de uma seção específica para tratar de crimes contra o processo eleitoral. Ela pode se tornar fonte de grande inseguranç­a jurídica se não houver correções e deveria ser objeto de maior reflexão no Senado.

Com linguagem genérica que dá margem a todo tipo de interpreta­ção, um dos seus dispositiv­os prevê até cinco anos de prisão para quem usar robôs e outros artifícios para difundir “fatos que sabe inverídico­s”, capazes de “compromete­r o processo eleitoral”.

Parece grande o risco de o dispositiv­o ser usado para restringir a liberdade de expressão e silenciar adversário­s em campanhas eleitorais. A proposta permite, inclusive, que partidos políticos acionem a Justiça se o Ministério Público não agir nesses casos.

Na reta final dos debates, incluiuse no projeto um artigo para esclarecer que os novos tipos penais não se aplicam à atividade jornalísti­ca, a manifestaç­ões críticas às instituiçõ­es e outros atos protegidos pela Constituiç­ão. Que seja necessário reafirmar o óbvio não deixa de ser um sinal dos tempos.

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