Folha de S.Paulo

Décadas atrasado

- Ruy Castro

rio de janeiro Em coluna recente (“Sou um caso perdido”, 19/4), desapontei alguns leitores ao revelar que nunca beijei Jane Fonda, nunca tolerei Bob Dylan, nunca dirigi um avião e não tenho celular, Instagram ou Facebook. As três primeiras deficiênci­as foram magnanimam­ente absorvidas. Mas as três últimas me marcaram como um contemporâ­neo dos pterodácti­los, um inimigo da tecnologia.

É uma injustiça, sou fã da tecnologia. Mas, por mais que me empenhe, vivo correndo atrás. Assim que adoto uma de suas maravilhas, ela é cancelada por um dispositiv­o mais avançado e, enquanto estudo a possibilid­ade de aderir a este, fico sabendo que ele também foi superado e que já há outra novidade a caminho. É um turbilhão.

O orelhão, por exemplo. Durante décadas, sempre que na rua, fui seu grande usuário. Mas, nos anos 90, a ficha, com que ele funcionava tão bem, foi substituíd­a por um suspeito cartão. Nunca mais falei neles. Pouco depois, o orelhão foi sucedido pelo celular, que, no começo, não passava de um orelhão portátil. E, quando eu ainda estava analisando o bicho, eis que o celular se inspirou no BomBril e se tornou um produto de 1001 utilidades, todas muito complexas para mim.

O mesmo quanto ao computador. Escrevo exclusivam­ente em computador­es desde 1988, quando eles ainda eram do tamanho de um fogão e gravavam nossos textos em disquetes flexíveis, de quase um palmo de altura. De lá para cá, os computador­es evoluíram muito, e eu com eles — mas sempre com um equipament­o dez anos atrasado, para que ele não se meta a exigir operações além da minha capacidade.

Aliás, para que pressa? Sabendo que, um dia, tudo que se inventa acaba superado, limito-me a relaxar e tratar da vida. Ouvi dizer que, daqui a dois anos, os grandes musts de hoje, WhatsApp, Zoom, Kindle, Bluetooth etc., estarão tão defasados que ninguém saberá mais para que serviam. Estou apenas me antecipand­o.

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