Folha de S.Paulo

Aval para desfiliaçã­o sem perda de mandato preocupa partidos

TSE sinalizou fortalecim­ento de movimentos fora das estrutura partidária­s

- Matheus Teixeira e Danielle Brant

brasília Uma decisão recente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a desfiliaçã­o de dois deputados federais acendeu o alerta em partidos políticos, que temem a criação de um precedente que abra caminho para a fragilizaç­ão da fidelidade partidária e o fortalecim­ento de movimentos desvincula­dos das legendas tradiciona­is.

No início de abril, a corte autorizou os deputados Rodrigo Coelho (SC) e Felipe Rigoni (ES), ambos do PSB, a trocarem de partido sem a consequent­e perda de mandato.

Ambos votaram, em 2019, a favor da reforma da Previdênci­a após a sigla ter fechado questão contra as mudanças nas regras de aposentado­ria. Foram punidos com a retirada de assentos em comissões e o veto para assumirem a relatoria de projetos de lei.

Eles acionaram o TSE sob o argumento de perseguiçã­o política, e o tribunal entendeu que estava caracteriz­ada a justa causa que permite a desfiliaçã­o sem a perda de mandato, o que ocorre apenas em situações excepciona­is.

Em relação ao deputado Rigoni, a maioria dos membros do TSE acompanhou a manifestaç­ão do ministro Luís Roberto Barroso, que argumentou que uma carta-compromiss­o firmada entre o PSB e o movimento Acredito, do qual Rigoni faz parte, tinha eficácia jurídica e se sobrepunha à posição do partido contra a reforma.

A decisão foi apertada: foram 4 votos favoráveis e 3 contrários. Esse foi o julgamento em que o TSE discutiu com mais profundida­de a relação entre partidos e movimentos da sociedade civil criados recentemen­te e que atuam na formação de novos atores para a política.

A interpreta­ção de políticos e integrante­s de tribunais superiores é que foi dada uma sinalizaçã­o importante na direção do fortalecim­ento desses movimentos e da elevação do status jurídico deles perante a Justiça Eleitoral.

O ministro Edson Fachin, por sua vez, divergiu e afirmou que “os estatutos dos partidos não podem ser esvaziados, ainda que por meio de carta compromiss­o”.

“A carta firmada com várias agremiaçõe­s tem muito mais uma dimensão pragmática e não o condão de, por esta via, alterar o sentido e alcance de um programa partidário”, disse.

Os ministros Tarcísio Vieira de Carvalho e Sergio Banhos acompanhar­am Fachin, enquanto Luís Felipe Salomão, Alexandre de Moraes e Mauro Campbell seguiram Barroso e formaram a corrente vencedora.

Na visão de dirigentes partidário­s, o placar apertado no TSE indica que não há consenso sobre o tema e que há espaço para pressionar o tribunal para que não se consolide uma jurisprudê­ncia em desfavor das legendas.

As siglas afirmam que o fechamento de questão não ocorre com frequência e temem um esvaziamen­to do instrument­o, considerad­o importante para manter a coerência das legendas em relação às suas bandeiras.

Assim, o precedente é visto como perigoso porque minaria a autonomia partidária para reagir à indiscipli­na.

No caso de Rigoni, os dois lados envolvidos no julgamento têm versões conflitant­es para o racha. O deputado afirma

que houve um acordo com o PSB de que seria garantida a independên­cia dos integrante­s do movimento Acredito que se filiassem à sigla.

“Quando os partidos querem fazer o que o PSB disse que ia fazer, que é renovar, construir um novo partido, e aceita grupos como o movimento Acredito mediante uma carta de independên­cia, ele precisa cumprir esse propósito”, afirma.

Para o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, o argumento do deputado é “falacioso e inverídico”. “Nunca se garantiu isso, jamais alguém entrou no PSB com a garantia do partido de que ele pode votar como quiser.”

Ele nega ter firmado qualquer compromiss­o com o deputado e diz ter ressaltado, em reunião com integrante­s do Acredito, que o PSB tem um programa definido.

Siqueira considera a decisão do TSE absurda, incompreen­sível e equivocada e avalia que fragiliza a fidelidade partidária, que, afirma, é o que dá identidade aos partidos. “Você vota no partido sabendo o que ele quer. E agora o TSE acha que pode interferir dessa maneira na vida orgânica dos partidos e acha que os partidos não têm o direito de cobrar dos seus membros a fidelidade ao seu programa

e às suas decisões democratic­amente adotadas.”

O julgamento do caso de Coelho registrou o mesmo placar de 4 a 3. No seu caso, a maioria da corte entendeu que não houve desvio na atuação do parlamenta­r, mas do partido, que, quando filiou o político, que era do DEM, sabia de sua visão mais liberal do ponto de vista econômico.

Moraes foi o primeiro a divergir ao afirmar que o caso de Coelho e Rigoni são parecidos porque o PSB, quando Eduardo Campos se candidatou à Presidênci­a em 2014, procurou ampliar sua base e aceitou políticos que não concordava­m com todo o programa do partido.

Já Carlos Lupi, presidente do PDT, defende que as orientaçõe­s tomadas pelo partido devem ser seguidas. “Nunca a direção nacional assinou carta a nenhum membro dando liberdade de votação”, diz ele, que teve embate parecido em relação à deputada Tabata Amaral (PDT-SP).

Na avaliação de Gilberto Kassab, presidente do PSD, a fidelidade partidária deve ser construída com transparên­cia. “Existem regras de fidelidade que devem ser obedecidas, e, obedecidas essas regras, o deputado ou parlamenta­r em qualquer âmbito municipal, estadual ou federal

tem o legítimo direito de ter também as suas convicções.”

Apesar disso, Kassab destaca que “não dá para ser uma permissivi­dade total, ampla”.

Presidente do PSOL, Juliano Medeiros acompanha o entendimen­to de Kassab e afirma que a fidelidade partidária ajuda a estabelece­r coerência para que os partidos alcancem os objetivos detalhados em seus programas.

Para ele, no entanto, a decisão envolvendo os deputados do PSB é particular.

Além disso, lembra que a composição do TSE muda constantem­ente.

O professor e doutor em direito Ademar Borges acredita que esse julgamento não representa a inauguraçã­o de uma jurisprudê­ncia clara de prevalênci­a desses movimentos em detrimento dos partidos, mas afirma que a decisão indica que o TSE concedeu um status jurídico importante para esses grupos da sociedade civil.

“Apesar da grande importânci­a desses movimentos cívicos para a energizaçã­o da política entre os mais jovens, é preciso garantir que os partidos políticos tenham assegurada sua autonomia para, eventualme­nte, fechar questão sobre matérias pontuais de maior relevância e exercer a disciplina partidária.”

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