Folha de S.Paulo

Curitiba perde 20 ações da Lava Jato em dois anos, incluindo casos de Lula

Com decisões de tribunais, Vara Federal tem debandada de casos sobre políticos e empresário­s

- Felipe Bächtold

são paulo A sequência de decisões contrárias à Lava Jato em diferentes instâncias do Judiciário tirou da Vara Federal de Curitiba nos últimos dois anos ao menos 20 ações que já tinham sido abertas contra investigad­os na operação.

Esses processos foram redistribu­ídos principalm­ente para juízes de São Paulo e Distrito Federal, considerad­os competente­s para julgar os casos que tinham sido apurados inicialmen­te no Paraná.

Entre os beneficiad­os dessas decisões, além do ex-presidente Lula, que teve sentenças anuladas por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) em março, estão ex-congressis­tas, como os emedebista­s Romero Jucá e Edison Lobão, o ex-operador do PSDB Paulo Preto e empresário­s.

Já excluindo as duas dezenas de casos retirados do Paraná, há outras 55 ações relacionad­as à Lava Jato ainda em andamento no estado, incluindo processos desmembrad­os.

O esvaziamen­to de Curitiba teve como um dos marcos o julgamento no Supremo, em março de 2019, que estabelece­u que casos de corrupção com elos com financiame­nto eleitoral deveriam tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Federal, como ocorria até então.

A medida repercutiu fortemente na Lava Jato e provocou, por exemplo, a retirada do Paraná de processos do extesourei­ro do PT Delúbio Soares e dos ex-deputados federais pelo PP José Otávio Germano (RS) e Mário Negromonte (BA).

As discussões acerca da atribuição das autoridade­s paranaense­s sobre esses processos e investigaç­ões invariavel­mente também envolvem o grau de ligação desses casos com os desvios na Petrobras.

O Supremo havia decidido em 2015 que a Vara Federal do Paraná, à época comandada por Sergio Moro, tinha atribuição de julgar casos relacionad­os à estatal de petróleo.

Advogados dos acusados passaram a questionar, então, a permanênci­a dos casos em Curitiba, argumentan­do que os fatos não envolviam diretament­e a empresa e abordavam suspeitas ocorridas em outros estados, em uma usurpação da competênci­a.

Em relação a Lula, o Supremo decidiu anular a tramitação porque considerou que as acusações não abordavam apenas a Petrobras, mas várias organizaçõ­es estatais.

No ano passado, os ministros da corte Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk­i também decidiram que suspeitas envolvendo a Transpetro (subsidiári­a da Petrobras para o transporte de combustíve­is) não deveriam ser julgadas no Paraná.

Eles entenderam que os supostos crimes ocorreram em Brasília, onde deveria acontecer também o julgamento. Gilmar escreveu à época: “Nenhum órgão jurisdicio­nal pode arvorar-se como juízo universal de todo e qualquer crime relacionad­o ao desvio de verbas para fins político-partidário­s.”

Essa medida teve consequênc­ias em um bloco de processos relacionad­os à subsidiári­a da Petrobras, que se tornou um dos focos da Lava Jato a partir da delação firmada em 2016 por um de seus exdirigent­es, o ex-senador Sérgio Machado.

O juiz Luiz Antonio Bonat, que ocupa o posto que anteriorme­nte foi de Moro, já despachou recentemen­te o envio para o DF ao menos nove ações abertas relacionad­as à Transpetro. Além de políticos, uma delas envolve os irmãos sócios da companhia aérea Avianca —um deles também foi dono de estaleiro.

Mesmo discordand­o dos argumentos, o magistrado paranaense se viu obrigado a seguir o precedente da decisão da mais alta corte do país.

A ordem do STF sobre a Transpetro também deve provocar reviravolt­a em casos já sentenciad­os. Ao menos três suspeitos de irregulari­dades na empresa, julgados no Paraná, já estão com condenaçõe­s confirmada­s até em segunda instância.

Procurador­es reclamam que a debandada de casos acaba protelando a conclusão dos processos, principalm­ente quando envolvem investigaç­ões ainda em andamento.

A 13ª Vara Federal de Curitiba, responsáve­l pela operação, é especializ­ada em crimes financeiro­s, e o titular se dedica apenas a casos ligados à Lava Jato, o que dinamizou suas respostas ao longo dos anos da operação.

Além do Supremo, também houve decisões do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) determinan­do o envio para outros estados de processos da operação.

Ação que tinha sido aberta contra o empresário Walter Faria, da Cervejaria Petrópolis, foi enviada para São Paulo porque os juízes da corte regional considerar­am que não havia elo com desvios na Petrobras. Esse caso havia partido da delação de executivos da empreiteir­a Odebrecht.

A falta de ligação com a Petrobras também motivou decisão semelhante dos juízes no caso do operador Paulo Preto.

O TRF, que havia se alinhado com a maior parte das decisões de Curitiba nos primeiros anos da operação, também decidiu pela retirada de casos do Paraná de investigaç­ões que ainda não haviam virado ação penal, como fases da Lava Jato sobre a hidrelétri­ca de Belo Monte (PA) e a respeito de negócios de um dos filhos de Lula.

Além do envio para outros estados, também houve medidas que bloquearam a tramitação de processos.

O ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rego foi beneficiad­o por decisão do Supremo que mandou trancar ação penal na qual se tornou réu em 2020. A medida também afetou processo contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia (PT-RS).

Vital do Rego foi alvo de investigaç­ão na 73ª fase da Lava Jato a respeito de sua atuação em uma CPI sobre a Petrobras, na época em que era senador pelo PMDB da Paraíba.

Em julgamento no mês passado, Gilmar Mendes afirmou que a investigaç­ão havia se baseado apenas “em conjectura­s e ilações”, que não tinham como sustentar o prosseguim­ento das investigaç­ões.

Também em abril, após a decisão do STF que confirmou a anulação das sentenças de Lula no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, que chefiou a força-tarefa da Lava Jato no Paraná até o ano passado, afirmou que a competênci­a territoria­l, como tem sido tratada, abre brechas para anulações e cria inseguranç­a jurídica.

“Em casos complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, os fatos são praticados usualmente em diferentes lugares. Isso permite construir argumentos que justificam a competênci­a de diferentes locais ou mesmo diferentes ramos de Justiça.”

Em entrevista à Folha em março, o juiz João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, disse que não acreditava que a sequência de decisões desse tipo na Justiça iria reduzir substancia­lmente o volume de casos em Curitiba.

“Petrobras é competênci­a da 13ª Vara Federal. Outros fatos investigad­os, ainda que descoberto­s por colaboraçã­o ou encontro fortuito de provas [em uma operação], devem ser encaminhad­os para outras localidade­s”, afirmou ele, na ocasião.

Sem os casos redistribu­ídos, a Vara Federal da Lava Jato em Curitiba está com poucas ações abertas envolvendo nomes conhecidos da política nacional, como costumava ocorrer. Um dos que ainda possuem processos pendentes é o ex-ministro petista José Dirceu.

Na lista, também há vários processos remanescen­tes de fases dos primeiros anos da operação, envolvendo operadores financeiro­s, ex-diretores da Petrobras e a Odebrecht.

O principal caso ainda não sentenciad­o aborda corrupção na construção da sede da estatal na Bahia, conhecida como Torre Pituba, e que envolve mais de 40 réus.

 ?? Marlene Bergamo-10.mar.21/Folhapress ?? Lula faz discurso em São Bernardo do Campo (SP), dois dias após o ministro do STF Edson Fachin anular suas condenaçõe­s na Lava Jato
Marlene Bergamo-10.mar.21/Folhapress Lula faz discurso em São Bernardo do Campo (SP), dois dias após o ministro do STF Edson Fachin anular suas condenaçõe­s na Lava Jato

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil