Ex-chanceler mina trabalho do sucessor e tenta manter influência
brasília Com uma série de publicações nas redes sociais, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e membros da ala ideológica do governo têm criado constrangimentos e minado o trabalho do novo chanceler, Carlos França.
A avaliação foi feita à Folha por interlocutores no governo Jair Bolsonaro, que consideram as recentes publicações de Ernesto um empecilho para a guinada pragmática que França tenta empreender.
No feriado de 1º de maio, Ernesto disse que a partir de 2020, com a pandemia, uma “reação do sistema” começou a “desmantelar” esperanças geradas com a eleição do presidente Bolsonaro em 2018.
“Hoje o povo brasileiro tem a oportunidade de recuperar sua esperança, ao pedir ao presidente Bolsonaro que ele volte a ser o presidente eleito em 2018, aquele que prometeu derrotar o sistema, o líder de uma transformação histórica e constitucional”, escreveu.
Mas antes disso Ernesto já havia feito manifestações que deixam evidente sua discordância em relação a França, criando no Itamaraty uma situação inusitada: a de um exchanceler que, mesmo permanecendo na ativa na carreira, alfineta a atual gestão.
Em uma sequência de publicações em que se defendeu das acusações de que era um empecilho para a obtenção de vacinas, Ernesto disse em 17 de abril que a situação do Brasil no tema “não mudou” desde que deixou o cargo. “Dificuldades seguem no mundo todo. Minha atuação não foi empecilho para nada.”
Ele destacou que até aquele dia, desde que deixara o cargo, não tinham chegado ao Brasil novas vacinas. E atribuiu sua queda à “armação de uma falsa narrativa” para tirar o Itamaraty de um projeto que, segundo ele, era transformador.
Dez dias depois, em uma sequência de tuítes sobre Mercosul, Ernesto afirmou que um de seus objetivos foi resgatar o “sentimento da liberdade” nas discussões internacionais, mas sugeriu que essa meta foi abandonada. “O mundo deixou que a ideia e o sentimento da liberdade fossem excluídos do centro das discussões. O Brasil agora quer ajudar a corrigir isso, em nível global ou regional. E o Mercosul pode fazer parte deste novo mundo com a liberdade em seu centro.”
Ernesto é um diplomata da ativa e em tese não poderia emitir opiniões pessoais sobre a condução da política externa sem autorização.
Mas interlocutores ouvidos pela Folha opinam que França, mesmo incomodado, não tem condições políticas de repreender seu subordinado.
Isso porque Ernesto ainda conta com apoio de Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Em discursos recentes, por exemplo, Bolsonaro fez questão de elogiar o ex-ministro.
A avaliação entre diplomatas é que Ernesto, alçado à posição de ídolo de movimentos conservadores e do núcleo do bolsonarismo, está se preparando para a disputa de um cargo eletivo no Legislativo.
Ainda de acordo com diplomatas ouvidos pela Folha, trata-se de uma das poucas opções do ex-ministro, uma vez que ele deixou o comando do Itamaraty sob um intenso desgaste com o Congresso.
Nesse quadro, é improvável que ele consiga aval do Senado para assumir alguma embaixada no exterior, pelo menos no curto prazo.