Folha de S.Paulo

Ex-chanceler mina trabalho do sucessor e tenta manter influência

- Ricardo Della Coletta

brasília Com uma série de publicaçõe­s nas redes sociais, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e membros da ala ideológica do governo têm criado constrangi­mentos e minado o trabalho do novo chanceler, Carlos França.

A avaliação foi feita à Folha por interlocut­ores no governo Jair Bolsonaro, que consideram as recentes publicaçõe­s de Ernesto um empecilho para a guinada pragmática que França tenta empreender.

No feriado de 1º de maio, Ernesto disse que a partir de 2020, com a pandemia, uma “reação do sistema” começou a “desmantela­r” esperanças geradas com a eleição do presidente Bolsonaro em 2018.

“Hoje o povo brasileiro tem a oportunida­de de recuperar sua esperança, ao pedir ao presidente Bolsonaro que ele volte a ser o presidente eleito em 2018, aquele que prometeu derrotar o sistema, o líder de uma transforma­ção histórica e constituci­onal”, escreveu.

Mas antes disso Ernesto já havia feito manifestaç­ões que deixam evidente sua discordânc­ia em relação a França, criando no Itamaraty uma situação inusitada: a de um exchancele­r que, mesmo permanecen­do na ativa na carreira, alfineta a atual gestão.

Em uma sequência de publicaçõe­s em que se defendeu das acusações de que era um empecilho para a obtenção de vacinas, Ernesto disse em 17 de abril que a situação do Brasil no tema “não mudou” desde que deixou o cargo. “Dificuldad­es seguem no mundo todo. Minha atuação não foi empecilho para nada.”

Ele destacou que até aquele dia, desde que deixara o cargo, não tinham chegado ao Brasil novas vacinas. E atribuiu sua queda à “armação de uma falsa narrativa” para tirar o Itamaraty de um projeto que, segundo ele, era transforma­dor.

Dez dias depois, em uma sequência de tuítes sobre Mercosul, Ernesto afirmou que um de seus objetivos foi resgatar o “sentimento da liberdade” nas discussões internacio­nais, mas sugeriu que essa meta foi abandonada. “O mundo deixou que a ideia e o sentimento da liberdade fossem excluídos do centro das discussões. O Brasil agora quer ajudar a corrigir isso, em nível global ou regional. E o Mercosul pode fazer parte deste novo mundo com a liberdade em seu centro.”

Ernesto é um diplomata da ativa e em tese não poderia emitir opiniões pessoais sobre a condução da política externa sem autorizaçã­o.

Mas interlocut­ores ouvidos pela Folha opinam que França, mesmo incomodado, não tem condições políticas de repreender seu subordinad­o.

Isso porque Ernesto ainda conta com apoio de Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Em discursos recentes, por exemplo, Bolsonaro fez questão de elogiar o ex-ministro.

A avaliação entre diplomatas é que Ernesto, alçado à posição de ídolo de movimentos conservado­res e do núcleo do bolsonaris­mo, está se preparando para a disputa de um cargo eletivo no Legislativ­o.

Ainda de acordo com diplomatas ouvidos pela Folha, trata-se de uma das poucas opções do ex-ministro, uma vez que ele deixou o comando do Itamaraty sob um intenso desgaste com o Congresso.

Nesse quadro, é improvável que ele consiga aval do Senado para assumir alguma embaixada no exterior, pelo menos no curto prazo.

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