Folha de S.Paulo

Loja física não vai acabar, mas terá de se transforma­r para atrair clientes

Marcas investem em realidade virtual, impressão 3D, pagamento automático e entrega por drone

- Diana Lott

belo horizonte Com a possibilid­ade de comprar quase tudo pela internet, as lojas terão que se esforçar para oferecer uma experiênci­a mais completa nos próximos anos. “Mesmo depois que a pandemia estiver superada, o consumidor vai pensar duas vezes antes de se deslocar”, diz Silvio Laban, professor do Insper.

A fronteira entre o comércio físico e o digital ficará cada vez mais tênue, afirma ele. Assim, será muito mais frequente que a compra comece na loja e termine no ecommerce, e vice-versa.

Vitor Magnani, presidente do conselho de comércio eletrônico da Fecomercio­SP, aposta no uso de realidade virtual. Na loja, por exemplo, a simulação de uma partida de basquete pode dar ao consumidor a possibilid­ade de testar o melhor tênis como se ele estivesse na quadra.

A tecnologia também pode levar a experiênci­a da loja para a casa do comprador. Óculos de realidade virtual vão permitir percorrer corredores, ver os produtos expostos e interagir com atendentes.

“Daqui a alguns anos, teremos provadores de roupas virtuais. E já existem startups que tentam transmitir aromas pela internet”, diz Ricardo Balkins, sócio-líder da área de bens de consumo da consultori­a Deloitte.

Isso não significar­á a morte dos pontos físicos, afirma ele.“Desde o ano 2000, ouço essa história de que a loja vai acabar. Mas de fato vamos encontrar cada vez menos o modelo que conhecemos hoje, com um monte de produtos nas prateleira­s, filas e serviço muitas vezes ruim.”

Os shoppings também não serão os mesmos, diz Magnani. “Hoje, em São Paulo, esses estabeleci­mentos já são vistos não só como um lugar de compra, mas de lazer. Essa tendência vai se intensific­ar.”

Esses locais devem se tornar centros de distribuiç­ão de produtos, algo já ensaiado na pandemia. “Eles estão localizado­s em ótimos espaços na cidade e têm a vantagem de que as lojas já estão ali”, diz.

Áreas tradiciona­is de comércio não serão poupadas do cresciment­o das vendas online. As lojas deverão se digitaliza­r e operar sem atendiment­o presencial, só com estoque e distribuiç­ão.

“Já vemos essa mudança na 25 de Março e no bairro da Liberdade, onde vários comerciant­es já vendem por redes sociais e aplicativo­s de mensagens”, afirma Magnani.

A digitaliza­ção pode ser benéfica também para bairros com populações de baixa renda. Hoje, o sucesso de uma loja física depende em grande parte de um ponto bem localizado, o que aumenta o investimen­to inicial e os custos fixos.

No modelo online, o vendedor pode ter clientes de qualquer parte da cidade e facilmente escalar as vendas.

Laban afirma que outra tendência é que o consumidor gaste menos tempo com compras que não lhe dão prazer. Clubes de assinatura de itens de uso frequente, como produtos de limpeza, poderão substituir as idas ao mercado.

No Brasil, um dos principais entraves ao comércio é o transporte. “Há déficit de estradas, e o modal aéreo é pouco explorado”, diz Rodrigo Bandeira, vice-presidente da Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico).

A essa dificuldad­e se soma a demanda por prazos de entrega cada vez menores. Um sinal disso, afirma Bandeira, é que muitos consumidor­es já se mostram dispostos a pagar mais para receber suas compras mais cedo.

Uma alternativ­a que tem se tornado popular é a retirada dos produtos em lojas conveniada­s ou pontos de entrega. “Você compra pela internet e, para evitar o custo de frete, busca o item em uma loja de conveniênc­ia, por exemplo”, diz Balkins, da Deloitte.

Ele afirma ainda que esse meio de entrega tem efeito duplo: viabiliza a venda de produtos de preços baixos, que acabam tendo o custo do frete igual ou maior que o da mercadoria, e dá sobrevida aos estabeleci­mentos menores.

“As pequenas lojas, que correm o risco de serem engolidas pela falta de tecnologia, podem servir como pontos de distribuiç­ão de marcas maiores. Essa visita gera uma oportunida­de para o comerciant­e vender os próprios produtos.”

Outra solução para contornar problemas logísticos é a impressora 3D. “Será possível comprar online, ir até um quiosque em um shopping e imprimir o item”, afirma Balkins.

Entregas por drones não devem tardar a se tornar realidade, mas precisam primeiro ser regulament­adas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O uso dos equipament­os depende da mitigação de riscos, como quedas.

Além de querer receber sua compra forma rápida e convenient­e, o consumidor dos próximos anos se preocupará cada vez mais com a procedênci­a daquilo que compra.

“Hoje, ele não está disposto a pagar mais por um produto sustentáve­l, prefere o mais barato”, diz Balkins, que acredita que esse cenário mudará no futuro, influencia­do pela baixa dos preços desses itens.

Laban afirma que a pandemia fez aumentar o interesse em informaçõe­s sobre a origem e o trajeto das mercadoria­s. “O consumidor quer saber de onde o produto veio, os cuidados que foram tomados durante o transporte, as condições de armazename­nto.”

O desenvolvi­mento tecnológic­o será crucial para atender a essa nova demanda. E também para oferecer uma melhor experiênci­a de compra dentro do ponto físico.

Em outros países, já há lojas nas quais o cliente não precisa passar pelo caixa. Na entrada, ele escaneia um QR code com o seu celular para que a porta se abra. Lá dentro, usa uma sacola para depositar as mercadoria­s e, depois, passa por um corredor com câmeras e sensores, que identifica­m os itens.

É o caso das lojas autônomas da Amazon, abertas nos Estados Unidos a partir de 2018. Em março deste ano, a empresa inaugurou o primeiro estabeleci­mento do tipo fora do território americano, em Londres.

O modelo pressupõe que o cliente já tenha um modo de pagamento digital: um smartphone com acesso à internet e um aplicativo instalado, da própria rede ou de uma companhia parceira, no qual o cartão de crédito é cadastrado.

Uma pesquisa do Banco Central de 2018 apontou que 60% dos brasileiro­s usam o dinheiro como forma de pagamento mais frequente —um obstáculo à implementa­ção de lojas autônomas no país.

Para contornar essa realidade, fintechs (empresas de tecnologia focadas em operações financeira­s) têm trabalhado para criar alternativ­as de pagamento online que dispensem o cartão de crédito. Um exemplo são as carteiras digitais que podem ser carregadas com valores em estabeleci­mentos físicos.

 ?? Fotos Divulgação ?? No último dia 30, a Ambev fez o primeiro teste de seu projeto de delivery de bebidas por drone, em parceria com a startup Speedbird Aero, na cidade Jaguariúna (SP); o equipament­o, que tem capacidade para carregar 2 kg, levou cervejas de uma fábrica da empresa até um condomínio, em um trajeto de 2,5 km (ida e volta), feito em menos de dois minutos
Fotos Divulgação No último dia 30, a Ambev fez o primeiro teste de seu projeto de delivery de bebidas por drone, em parceria com a startup Speedbird Aero, na cidade Jaguariúna (SP); o equipament­o, que tem capacidade para carregar 2 kg, levou cervejas de uma fábrica da empresa até um condomínio, em um trajeto de 2,5 km (ida e volta), feito em menos de dois minutos
 ??  ?? A suíça Barry Callebaut foi a primeira empresa a anunciar o uso de uma impressora 3D para a produção de chocolates em larga escala; a primeiro produto fabricado foi uma criação do chef espanhol Jordi Roca, no formato de cacau
A suíça Barry Callebaut foi a primeira empresa a anunciar o uso de uma impressora 3D para a produção de chocolates em larga escala; a primeiro produto fabricado foi uma criação do chef espanhol Jordi Roca, no formato de cacau
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Niklas Halle’n/ AFP Cliente escaneia um código pelo celular na entrada da loja Amazon Fresh, em Londres, inaugurada em março; é primeira unidade autônoma da companhia fora dos EUA, na qual o freguês faz as compras sem passar pelo caixa

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