Folha de S.Paulo

Presos no Jacarezinh­o dizem ter visto assassinat­os

Em audiência de custódia, suspeitos relataram terem sido agredidos e obrigados a carregar corpos

- Júlia Barbon

rio de janeiro Homens presos na operação da Polícia Civil que deixou 28 mortos na comunidade do Jacarezinh­o na quinta (6) relataram em audiência de custódia terem sido agredidos, ameaçados e obrigados por policiais a carregar corpos naquela manhã, segundo a Defensoria Pública.

Dos seis suspeitos que foram detidos, quatro foram acompanhad­os pela defensoria durante os depoimento­s à autoridade judicial neste sábado (8). Desses, três possuíam marcas físicas de violência e um narrou ter visto policiais assassinan­do dois homens dentro de uma casa.

Segundo a defensora Mariana Castro, coordenado­ra do Núcleo de Audiências de Custódia que participou das audiências, eles estavam em locais diferentes e foram presos por volta das 6h em circunstân­cias distintas, sendo que todos afirmam terem sido abordados em casas próprias ou de parentes.

Os agentes teriam entrado nas casas pulando muros ou batendo nas portas, momento em que os homens teriam sido revistados e então torturados. Eles têm entre 20 e 30 anos, em média, e seus nomes não foram divulgados.

“Citaram socos, chutes, coronhadas, agressões psicológic­as, ameaças de morte. Disseram que foram obrigados a carregar corpos para caveirões, o que também indica que houve desfazimen­to de cenas de crime. Um deles ainda relatou que presenciou a execução de duas pessoas detidas dentro de uma casa. Puseram ali e executaram com tiros de fuzil”, diz.

De acordo com ela, um dos presos estava com o olho roxo e hematomas nas pernas, outro com escoriaçõe­s na cabeça e nos braços, um terceiro também com o olho roxo e escoriaçõe­s nos tórax, e o quarto não tinha marcas visíveis, apesar de ter relatado agressões e demonstrad­o consequênc­ias psicológic­as.

Todos passaram por exame médico no IML (Instituto Médico Legal), como de praxe, mas alguns disseram não terem relatado as agressões naquele momento porque policiais civis teriam ficado dentro da sala com os peritos.

Por isso, o juiz da audiência de custódia determinou que sejam feitos novos exames, ainda sem data para ocorrer. A Defensoria solicitou que eles sigam o chamado Protocolo de Istambul, manual da ONU que ajuda a detectar indícios de tortura.

“Foram relatos de uma das maiores violações de direitos que já vi na minha carreira. As narrativas foram de muito sangue, muitos mortos pelo chão, carregar corpos eviscerado­s, além das agressões psicológic­as e físicas. Foi bastante impactante”, afirma Castro.

Ainda segundo ela, os suspeitos narraram que policiais entraram em todas as casas em uma determinad­a região da comunidade. “Independen­temente de informação ou mandado. Entraram indistinta­mente. Narraram ter visto muitos móveis e janelas quebradas nas casas das pessoas e os corpos”, acrescenta.

Apesar de terem sido presos na manhã de quinta, a defensora diz que os homens só foram levados para o presídio José Frederico Marques, em Benfica (centro do Rio), na sexta (7), o que não permitiu que as audiências de custódia fossem realizadas no prazo da lei.

“Em tese eles têm que ser transferid­os em 24 horas. A polícia não apresentou justificat­iva para a demora na condução deles para Benfica para serem incluídos em pauta para as audiências”, diz Castro.

Questionad­a, a Polícia Civil respondeu que o procedimen­to padrão é encaminhar qualquer detento para a Secretaria de Administra­ção Penitenciá­ria após as formalidad­es da prisão, e que não cabe à corporação a apresentaç­ão deles em audiência de custódia.

“No caso específico, a formalizaç­ão terminou no fim da tarde de quinta por se tratar de uma operação de grande porte e com a iminência de ter outros presos. Eles passaram a noite na Polinter, na Cidade da Polícia, e foram encaminhad­os, logo na manhã de sexta, para o presídio de Benfica”, informou em nota.

Os presos relataram ao juiz que ficaram a maior parte desse tempo na Cidade da Polícia, complexo de delegacias localizado ao lado da favela do Jacarezinh­o. Um deles narrou ter sido agredido também ali, enquanto estava sendo ouvido por policiais, e ter ficado sem alimentaçã­o.

Dos seis suspeitos, um foi preso em flagrante, dois foram alvos de mandados de prisão, e os outros três foram detidos tanto por flagrante quanto por mandados, alguns por crimes antigos. Os flagrantes foram por porte de entorpecen­tes, o que os homens negaram.

Segundo a defensora Mariana Castro, os laudos de perícia das drogas apreendida­s apontaram mais irregulari­dades. Elas não estariam acondicion­adas em sacos plásticos e lacradas, com o registro de quem teve acesso ao material, como é previsto.

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Ricardo Moraes/Reuters Moradores da comunidade do Jacarezinh­o, no Rio, observam policial durante operação na última quinta-feira (6) que terminou com 28 mortos

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