Folha de S.Paulo

Risco de rebaixamen­to do Santos foi ônus e não vexame

- pranchetad­opvc@gmail.com Paulo Vinicius Coelho

A última vez em que dois gigantes de São Paulo não se classifica­ram até o oitavo lugar foi em 1976. O Corinthian­s terminou em 11º, o Santos em 13º e até o São Paulo, fora desse fiasco, ocupou a sétima colocação.

O Palmeiras foi campeão, o XV de Piracicaba ficou em segundo lugar e o fiasco foi inexplicáv­el. Exceto para o Santos, que podia explicar sua pior campanha da história pelo luto pós-Pelé. Isso, há 45 anos, quando o estadual era a base do calendário.

O fiasco de 2021 é autoexplic­ativo. Passamos os últimos vinte anos dizendo que estadual não é parâmetro e debatendo sua irrelevânc­ia. A eliminação num ano de calendário emendado, em que o Santos disputou 35 partidas e o Palmeiras 37, até o Dia das Mães, não é de se comemorar. Ano passado, Vanderlei Luxemburgo foi demitido em 14 de outubro, depois de 36 partidas. Neste maio, o Palmeiras já disputou 37.

O caso do Santos é particular. O risco de rebaixamen­to foi resultado de más administra­ções anteriores, do início de uma nova gestão, inexperien­te, e da renúncia do técnico Ariel Holan.

A sequência de mudanças táticas, imperceptí­vel a olho nu, é notada sem microscópi­o por quem vive o futebol por dentro. Jorge Sampaoli pressionav­a a saída de bola, Cuca atrasava o bloco e explorava a velocidade, Ariel Holan era posicional e Marcelo Fernandes mudou a estratégia.

O Santos de Holan usou 17 jogadores em cinco partidas da Libertador­es, sendo oito da base (47%). No Estadual, foram 37 escalados, 28 formados na Vila (71%).

A direção assume o erro de ter informado ao treinador argentino que o Paulista não era prioritári­o. Assustou-se com o risco de descenso, que só sumiu com o gol de Lucas Braga. A comemoraçã­o mostrou como havia peso sobre as costas dos meninos.

De Marcelo Fernandes, também. Sobrinho-neto de Antoninho Fernandes, técnico tricampeão paulista em 1969 e campeão do Robertão de 1968, Marcelo é um dos raros 11 técnicos campeões pelo Santos, em 109 anos de história. Mudou a estratégia, passou a jogar com titulares tanto no Paulista quanto na Libertador­es. O cansaço poderia matar o time. Ao contrário, salvou. Não dava para enfrentar o São Bento sem o time principal, porque o eventual rebaixamen­to seria uma cicatriz eterna.

Se não tem importânci­a ser rebaixado no Estadual, por que perguntamo­s até hoje se o São Paulo sofreu o descenso, em 1990? Mesmo que o regulament­o daquele ano tenha escrito, em negrito: “Não haverá descenso.” Não houve.

Antes de Fernando Diniz, o Santos conversou com Renato Gaúcho e Lisca. Há coerência pela tentativa de jogo ofensivo. Também há diferenças de estilo e, taticament­e, o Santos mudará a partir de terça-feira (11), contra o Boca Juniors. Vai se transforma­r bastante em comparação com Holan, Cuca, Jesualdo e Sampaoli.

Diniz pedirá reforços pontuais, montará o time com pressão e posse de bola e terá respeito pelo DNA santista. Mas vai mexer. A incoerênci­a não é um problema do Santos, mas de todo o futebol do país. Até de nós, que dizemos por décadas que estadual não vale nada, mas cobramos o vexame da eliminação.

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