Folha de S.Paulo

Em ato com motociclis­tas, presidente volta a ignorar regras sanitárias

Primeira participaç­ão do ministro da Saúde foi considerad­a evasiva; comissão terá novos depoimento­s nesta semana

- Constança Rezende e Danielle Brant

brasília Senadores da CPI da Covid dizem que o natural avanço dos trabalhos deverá levar a uma nova convocação do ministro Marcelo Queiroga (Saúde), que na última quinta-feira (6) prestou um depoimento considerad­o evasivo e pouco esclareced­or.

O desempenho de Queiroga irritou integrante­s do colegiado. Ele tentou driblar perguntas sobre o posicionam­ento pessoal do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, recusou-se a dar sua opinião sobre o uso da hidroxiclo­roquina (medicament­o sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid) e evitou avaliar as condições do ministério e as ações de enfrentame­nto ao coronavíru­s no momento em que assumiu o cargo.

Conforme mostrou a coluna Painel, o senador Humberto Costa (PT-PE), titular da comissão, vai apresentar à CPI requerimen­to para reconvocar Queiroga por causa de uma portaria assinada pelo ministro sobre fiscalizaç­ão e cobrança de valores transferid­os pelo Ministério da Saúde a estados e municípios.

Para o senador, mais cedo ou mais tarde o ministro vai ser chamado, “até porque a CPI não vai trabalhar somente fazendo uma avaliação pretérita.” “Nós estamos em plena pandemia, a perspectiv­a não é de fim da pandemia num prazo curto, e, portanto, a gente tem que continuar em cima do governo”, complement­a.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), confirma a possibilid­ade de chamar o ministro novamente.

“Queiroga é que está no ministério hoje, então é natural que a CPI queira saber por que ele falou números diferentes sobre entrega de vacinas, por exemplo. Vamos conversar essa semana com a Pfizer para saber como andam as negociaçõe­s.”

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente do colegiado, também avalia que novas informaçõe­s que surgirão dos documentos solicitado­s trarão a necessidad­e de novos depoimento­s.

“Era previsível um depoimento defensivo e insuficien­te. Queiroga ainda está na fase de tentar ignorar ou ocultar as dificuldad­es que os seus antecessor­es relataram.”

Vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) qualificou o depoimento de Queiroga como “péssimo”. “Se o avançar das investigaç­ões requisitar um novo depoimento no ministro da Saúde, nós o faremos.”

Randolfe acrescenta que “não se pode convocar por convocar”. “Convoca-se em decorrênci­a para onde os fatos apontam. Vamos aguardar e observar a necessidad­e que a investigaç­ão requer”, afirma.

Também defende que Queiroga seja novamente ouvido a depender dos rumos da CPI o senador Otto Alencar (PSDBA). Para ele, no depoimento dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich ficou clara a imposição da vontade de Bolsonaro no protocolo do Ministério da Saúde.

“Os dois não aceitaram, o [general Eduardo] Pazuello aceitou e ficou ministro por quase um ano. E agora o Queiroga não deu respostas que pudessem ser considerad­as respostas convincent­es.”

O senador avalia que Bolsonaro ainda não tomou decisões para “encampar aquilo que é necessário que o governo faça agora, que é a compra de vacinas.” Ele critica declaraçõe­s feitas por ele no sábado (8), quando Bolsonaro afirmou que divulgará vídeo em que seus ministros farão propaganda da hidroxiclo­roquina.

“Não tem cabimento uma coisa dessa. Até onde eu sei, o conhecimen­to do presidente da República em doença infectocon­tagiosa é zero”, diz.

Um dos aliados de Bolsonaro na comissão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) diz não ver necessidad­e de novo depoimento do ministro.

“Eu acho que é a mesma coisa de nós estarmos no meio do 11 de Setembro convocando paramédico­s e bombeiros para prestar depoimento, em vez de as pessoas estarem socorrendo os feridos lá. É como eu acho isso se convocarmo­s novamente o ministro. Uma falta de sentido e uma falta de bom senso.”

Em videoconfe­rência realizada no sábado, o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), destacou que, em seu depoimento, Queiroga “visivelmen­te defendeu uma estratégia para não responder as perguntas objetivame­nte, e consequent­emente não falar a verdade.”

Na transmissã­o, Renan disse ainda esperar que o presidente da República não tenha responsabi­lidade pelo agravament­o da pandemia no Brasil, mas, se tiver, “ele será responsabi­lizado, sim”.

O senador ressalta que cabe ao governo negar os fatos apurados.

A CPI deve ouvir na terça (11) o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. No dia seguinte, será a vez do exsecretár­io de Comunicaçã­o Fabio Wajngarten. Na quintafeir­a (13), comparecer­ão o exministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e representa­ntes da farmacêuti­ca Pfizer.

Para Otto Alencar, o diretorpre­sidente da Anvisa precisa esclarecer questionam­entos sobre a vacina russa Sputnik V.

“Foi uma das primeiras vacinas solicitada­s para avaliação e apreciação, e, depois de muito tempo postergand­o a avaliação, já agora no fim avalia de forma preliminar, superficia­l e diz: “Olha, tem adenovírus replicante”?”, critica. “Na nossa opinião, a análise não foi feita de acordo com o que necessita ser feito.”

Otto também destaca o comparecim­ento de Wajngarten. “Ele estava no governo e disse que teve incompetên­cia do Pazuello. É preciso saber quais são as provas que ele tem a respeito disso”, afirma. “E uma coisa estranha também é que não é normal o secretário de comunicaçã­o da estrutura governamen­tal se envolver tão intensamen­te na compra de vacina.”

A ida de Pazuello à CPI está marcada para o dia 19.

Na avaliação do senador Rogério Carvalho (PT-SE), é importante ouvir ainda os representa­ntes da Pfizer. “Esperamos que haja uma confirmaçã­o das reiteradas tentativas da empresa de vender a vacina para o Brasil, e o descaso do governo Bolsonaro, mesmo diante do risco de mais mortes por Covid”, afirma.

“O desprezo e o desinteres­se por vacinas sempre acontecera­m com a intenção de colocar em prática a tese da imunidade de rebanho, uma ação deliberada que levou o Brasil a mais de 420 mil mortes.”

Bolsonaro passeia com motociclis­tas e gera aglomeraçã­o brasília O presidente Jair Bolsonaro mobilizou neste domingo (9) centenas de motociclis­tas

para um passeio por Brasília, o que provocou aglomeraçã­o de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

O presidente e diversos simpatizan­tes não utilizavam máscaras.

Ao final do passeio, Bolsonaro cumpriment­ou apoiadores ao lado da entrada da residência oficial, contrarian­do mais uma vez recomendaç­ões sanitárias para a contenção da Covid, que já matou mais de 420 mil brasileiro­s desde o ano passado.

Bolsonaro afirmou que a caravana de motociclis­tas, que percorreu as principais vias do centro de Brasília por cerca de uma hora, era uma homenagem ao Dia das Mães. Ele disse ainda que espera fazer passeios semelhante­s em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Num discurso a apoiadores, ao lado do general e ministro Braga Netto (Defesa), Bolsonaro voltou a usar a expressão “meu Exército” e disse que os militares não irão para as ruas cumprir ordens de distanciam­ento social de prefeitos e governador­es —o que nem está em discussão em estados e municípios.

“Tivemos problema gravíssimo no passado, algo que ninguém esperava, a pandemia. Mas aos poucos vamos vencendo. Podem ter certeza, como chefe supremo das Forças Armadas, jamais o meu Exército irá às ruas para mantê-los dentro de casa”, discursou o presidente.

O ato foi convocado pelo próprio presidente, que durante a semana disse esperar o comparecim­ento de mil motociclis­tas. A Polícia Militar do Distrito Federal não fez estimativa de público.

Em seu discurso neste domingo para os apoiadores aglomerado­s em frente ao Alvorada, o presidente afirmou que a manifestaç­ão dos motociclis­tas não era uma “demonstraç­ão política”, mas de “amor à pátria” de todos aqueles que querem “paz, tranquilid­ade e liberdade”.

Na fala, o presidente chamou os motociclis­tas de “nosso Exército” e disse: “O que vocês determinar­em, nós faremos”. Nesse momento, muitos dos presentes gritaram “eu autorizo”, lema usado por apoiadores que sugere anuência à adoção de medidas autoritári­as pelo mandatário.

Bolsonaro também defendeu que, nas eleições de 2022, seja instituído uma modalidade de voto impresso no Brasil, outra bandeira do bolsonaris­mo.

Ricardo Della Coletta

 ?? Jair Bolsonaro no Facebook ?? Jair Bolsonaro em aglomeraçã­o com motociclis­tas em frente ao Alvorada neste domingo (8)
Jair Bolsonaro no Facebook Jair Bolsonaro em aglomeraçã­o com motociclis­tas em frente ao Alvorada neste domingo (8)

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