Relatório altera versão sobre ação no Jacarezinho
Menção a aliciamento de menores não consta mais de documento policial
Novo relatório de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro exclui da lista de objetivos da operação na favela do Jacarezinho o combate ao aliciamento de menores pela facção criminosa Comando Vermelho, mencionado anteriormente como a razão da ação que, no último dia 6, deixou 28 mortos.
O novo documento, produzido no domingo (9), cita como única motivação o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos contra acusados por associação ao tráfico de drogas. Foram apreendidos ao menos 5 fuzis, 16 pistolas, uma submetralhadora, 2 espingardas e 6 granadas nas ocorrências.
Procurada, a corporação afirmou que há outros inquéritos em curso na Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima para apurar o suposto aliciamento.
Os policiais descumpriram ainda determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) para que evitem remover vítimas de suas operações.
Documentos hospitalares sugerem que 25 corpos foram retirados pelos próprios agentes do local. Em apenas uma ocorrência, com duas mortes, a remoção é atribuída à Defesa Civil.
rio de janeiro Um relatório de inteligência produzido pela Polícia Civil após a operação na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, afirma que todos os mortos pelos agentes tinham registro em suas fichas criminais ou envolvimento com o crime confirmado por parentes.
De acordo com os dados do documento, as 27 vítimas civis tinham entre 16 e 48 anos. Quase todas (25) tinham registro de passagens pela polícia. Os crimes mais comuns são tráfico de drogas, roubo e furto.
Em relação aos dois sem passagem na polícia, há depoimentos de parentes confirmando o envolvimento na quadrilha que atua no Jacarezinho. O mesmo ocorre com outras quatro pessoas mortas pela polícia que tinham registro na ficha criminal.
Entre os 27 mortos pela polícia, 16 tiveram passagens pelo sistema penitenciário, sendo que 2 eram considerados foragidos.
A Operação Exceptios foi a mais letal na história do Rio de Janeiro. Além dos 27 civis, o policial civil André Frias também foi morto no confronto. Também foram apreendidos ao menos cinco fuzis, 16 pistolas, uma submetralhadora, duas espingardas e seis granadas durante a operação.
O relatório não detalha como as vítimas foram mortas pelos agentes. De acordo com o governo, todos foram baleados em confronto com a polícia. As 27 mortes de civis ocorreram em 12 confrontos distintos, envolvendo 29 policiais, segundo mostram os boletins de ocorrências registrados na Divisão de Homicídios.
Vítima da morte que vem levantando mais suspeita entre observadores externos da operação, Matheus dos Santos, 21, tinha uma passagem na polícia por furto quando adolescente. O relatório apresenta fotos dele em redes sociais com uma arma.
Matheus foi o jovem encontrado numa cadeira de plástico sem qualquer arma.
Dos 27 mortos, apenas 3 eram alvos de mandado de prisão, a partir da investigação sobre associação ao tráfico de drogas que teve como base fotos em redes sociais.
Um indiciado pela Polícia Civil na mesma apuração, mas não acusado pelo MP-RJ, também foi morto na operação.
O Ministério Público afirmou que está realizando uma investigação independente do caso. Familiares dos mortos e moradores do Jacarezinho foram ouvidos nesta segunda (10) por promotores do caso.
O relatório também exclui do rol dos objetivos da ação o combate ao aliciamento de menores pelo Comando Vermelho. Elaborado no domingo (9), o relatório afirma que o único objetivo da mobilização policial era o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos pela 19ª Vara Criminal contra acusados por associação ao tráfico de drogas.
A Polícia Civil afirmou que há outros inquéritos em curso na DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima) para apurar a prática de “aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina a comunidade do Jacarezinho e sequestros de trens da Supervia, por exemplo, entre outros”.
“A Polícia Civil esclarece que as investigações não necessariamente precisam estar vinculadas a um mesmo inquérito. No caso específico do Jacarezinho, são várias informações e trabalhos de investigação e inteligência que basearam a operação. É importante reforçar ainda que, em operações policiais, é comum que os agentes aproveitem para checar denúncias e informações de inteligência”, afirma a corporação, em nota.
Tanto em comunicado à imprensa como em entrevista a jornalistas, a corporação havia afirmado que o objetivo da incursão na favela era a ampliar a apuração sobre aliciamento de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Não há menção a esses crimes no novo documento da Polícia Civil.
O delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, afirmou que a apuração prévia à operação mostrou crimes graves “conexos ao tráfico de drogas” como homicídios, aliciamento de menores, sequestros de composições da Supervia e roubos.
A íntegra do inquérito que motivou a denúncia contra os 21 alvos da operação mostra que o envolvimento da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) se deu em razão da transferência do delegado Pedro Bittencourt da 25ª DP (Méier), onde a investigação transcorria, para a unidade especializada.
A transferência do caso ocorreu em setembro de 2020. Ela foi encerrada em abril de 2021, com 23 indiciados por associação ao tráfico de drogas e organização criminosa. O Ministério Público denunciou 21 apenas pelo primeiro crime —não há nos autos explicação para a exclusão de dois indiciados da acusação. A Justiça decretou a prisão no dia 28 de abril.
A investigação começou em maio após dois policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Jacarezinho terem informado à 25ª DP sobre informações de perfis de supostos integrantes da quadrilha que atuavam na favela.
A partir dessa informação, 90 perfis foram analisados até se chegar aos 23 indiciados pela DPCA.
A operação no Jacarezinho acabou com 28 mortos, sendo um policial.