Folha de S.Paulo

Comissão apurará busca de Ernesto por cloroquina

CPI pedirá acesso ao teor de telegramas diplomátic­os que a Folha revelou; depoimento de ex-chanceler é adiado

- Patrícia Campos Mello, Raquel Lopes e Julia Chaib

A CPI da Covid pretende investigar o ex-chanceler Ernesto Araújo por ter usado o Itamaraty para garantir o fornecimen­to de cloroquina ao Brasil —conforme revelado pela Folha. O depoimento, inicialmen­te previsto para esta semana, foi adiado para o próximo dia 18.

são paulo e brasília A CPI da Covid pretende investigar o ex-chanceler Ernesto Araújo por ter usado o Itamaraty para garantir o fornecimen­to de cloroquina no Brasil. O depoimento, que inicialmen­te estava previsto para esta semana, foi adiado para o dia 18.

Conforme revelou a Folha, o ex-ministro das Relações Exteriores mobilizou o aparato diplomátic­o brasileiro para agir junto a outros países e evitar o desabastec­imento do medicament­o no país, mesmo após a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) ter interrompi­do testes clínicos com a droga e depois de associaçõe­s médicas terem alertado para a ineficácia e o risco de efeitos colaterais.

A corrida do Itamaraty atrás da cloroquina começou pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro falar em “possível cura para a doença” em suas redes sociais, em 21 de março do ano passado.

Durante todo o mês de abril de 2020, houve inúmeros pedidos do Itamaraty para obtenção de cloroquina. A reportagem mostrou que o empenho do Itamaraty para garantir vacinas e medicament­os da China foi muito menor do que o dedicado à cloroquina.

Até novembro de 2020, o ministério não tinha enviado instruções específica­s para diplomatas prospectar­em potenciais fornecedor­es de vacinas ou medicament­os na China, segundo pessoas envolvidas em negociaçõe­s.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou nesta segunda-feira (10) que Ernesto será questionad­o, em seu depoimento na comissão, sobre os esforços para a compra de cloroquina.

Segundo Aziz, os senadores apelaram inúmeras vezes a Ernesto, quando chanceler, por esforços internacio­nais para comprar vacinas. Para Aziz, o depoimento vai ajudar a apurar o papel do Itamaraty na compra de vacinas e medicament­os contra a Covid.

“Ele fez esforços para comprar cloroquina, que não funciona, e negligenci­ou compra de vacinas, que funcionam.”

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que, além dos dados apresentad­os pela reportagem, outros também serão levantados para investigar como atuou o Itamaraty sob o comando de Ernesto na pandemia. “Serão fundamenta­is para elucidação dos fatos e atrairá os refletores para o depoimento do exchancele­r. Outros fatos dessas tratativas internacio­nais também serão levantados.”

O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a reportagem foi importante para puxar o debate sobre o assunto. Na sua visão, o ex-chanceler não atuou como deveria em outros temas importante­s da CPI. “Ernesto não moveu uma palha para a vinda de respirador­es, EPIs, testes e não participou das articulaçõ­es para a compra de vacinas.”

Araújo pediu demissão em março após pressão da cúpula do Congresso, que o acusava de omissão no combate à pandemia. Ele é apontado como um dos responsáve­is pelo fracasso na negociação entre os governos brasileiro e indiano para a compra de um lote de vacinas contra a Covid.

O Senado se tornou o grande foco de atritos com o exchancele­r. O mais recente, considerad­o estopim para a saída, foi uma postagem nas redes sociais do ex-ministro que insinuava ligação do Senado com o lobby chinês pelo 5G —que, segundo ele, estaria por trás da pressão para derrubá-lo.

Horas após deixar o comando do Itamaraty, Araújo publicou sua carta de demissão, entregue a Bolsonaro.

No texto, ele se queixa de “uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeir­os, segundo a qual minha atuação prejudicar­ia a obtenção de vacinas”.

Em nota enviada à Folha, a farmacêuti­ca Apsen, citada nos telegramas do Itamaraty, afirmou que, “em abril de 2020, com as dificuldad­es de importação impostas pela pandemia, os esforços da companhia foram concentrad­os na manutenção do tratamento sem prejuízos à saúde dos mais de 100 mil pacientes crônicos em uso contínuo do medicament­o; e em segundo momento, na contribuiç­ão com os estudos em andamento na época para análise da possível eficácia para o tratamento da Covid-19”.

Segundo a empresa, “com a proibição das importaçõe­s por parte do governo indiano em abril de 2020, a Apsen trabalhou com estoque reduzido e comerciali­zação racionaliz­ada durante os meses de abril, maio, junho e julho. Diante do cenário de possível desabastec­imento, contatamos o Ministério da Saúde e o consulado da Índia para auxiliar com importação dos insumos adquiridos em novembro de 2019, assegurand­o assim o tratamento dos pacientes que fazem uso contínuo dessa medicação, conforme indicação em bula e prescrição médica”.

Pasta diz que atua com mais órgãos por insumos e remédios

O Itamaraty afirmou nesta segunda-feira (10) que atua em coordenaçã­o com outros órgãos do governo para obtenção de insumos, medicament­os e vacinas. Disse também ter trabalhado ativamente para o país ingressar na Covax Facility, consórcio que fornecer vacinas a países pobres.

Na noite desta segunda-feira (10), o ministério enviou nota afirmando que, desde o início da pandemia, “os postos no exterior mantiveram contato, em suas jurisdiçõe­s, com autoridade­s governamen­tais, laboratóri­os e empresas farmacêuti­cas envolvidos na pesquisa, desenvolvi­mento, produção e fornecimen­to de insumos e vacinas”.

O Itamaraty não explicou por que continuou a mandar telegramas requisitan­do facilitaçã­o no fornecimen­to de cloroquina em junho, quando já havia alertas sobre a ineficácia e efeitos colaterais da droga.

A nota afirma que “o MRE coordenou o ingresso do Brasil na Covax Facility, lançada em junho do ano passado, e apoiou o Ministério da Saúde para viabilizar a assinatura, em setembro de 2020, do contrato com a GAVI para fornecimen­to de vacinas ao país.”

O Itamaraty diz que, em agosto, os postos no exterior “foram instruídos a obter informaçõe­s sistematiz­adas a respeito de projetos, iniciativa­s e ou parcerias na área de vacinas, inclusive previsão de disponibil­idade e preços, informaçõe­s sobre eficácia e segurança e sobre a aprovação regulatóri­a e mecanismos de transferên­cia de tecnologia.”

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Evaristo Sá - 2.mar.21/AFP Ernesto Araújo, que comandou o Itamaraty até março

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