Comissão apurará busca de Ernesto por cloroquina
CPI pedirá acesso ao teor de telegramas diplomáticos que a Folha revelou; depoimento de ex-chanceler é adiado
A CPI da Covid pretende investigar o ex-chanceler Ernesto Araújo por ter usado o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil —conforme revelado pela Folha. O depoimento, inicialmente previsto para esta semana, foi adiado para o próximo dia 18.
são paulo e brasília A CPI da Covid pretende investigar o ex-chanceler Ernesto Araújo por ter usado o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina no Brasil. O depoimento, que inicialmente estava previsto para esta semana, foi adiado para o dia 18.
Conforme revelou a Folha, o ex-ministro das Relações Exteriores mobilizou o aparato diplomático brasileiro para agir junto a outros países e evitar o desabastecimento do medicamento no país, mesmo após a OMS (Organização Mundial da Saúde) ter interrompido testes clínicos com a droga e depois de associações médicas terem alertado para a ineficácia e o risco de efeitos colaterais.
A corrida do Itamaraty atrás da cloroquina começou pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro falar em “possível cura para a doença” em suas redes sociais, em 21 de março do ano passado.
Durante todo o mês de abril de 2020, houve inúmeros pedidos do Itamaraty para obtenção de cloroquina. A reportagem mostrou que o empenho do Itamaraty para garantir vacinas e medicamentos da China foi muito menor do que o dedicado à cloroquina.
Até novembro de 2020, o ministério não tinha enviado instruções específicas para diplomatas prospectarem potenciais fornecedores de vacinas ou medicamentos na China, segundo pessoas envolvidas em negociações.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou nesta segunda-feira (10) que Ernesto será questionado, em seu depoimento na comissão, sobre os esforços para a compra de cloroquina.
Segundo Aziz, os senadores apelaram inúmeras vezes a Ernesto, quando chanceler, por esforços internacionais para comprar vacinas. Para Aziz, o depoimento vai ajudar a apurar o papel do Itamaraty na compra de vacinas e medicamentos contra a Covid.
“Ele fez esforços para comprar cloroquina, que não funciona, e negligenciou compra de vacinas, que funcionam.”
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que, além dos dados apresentados pela reportagem, outros também serão levantados para investigar como atuou o Itamaraty sob o comando de Ernesto na pandemia. “Serão fundamentais para elucidação dos fatos e atrairá os refletores para o depoimento do exchanceler. Outros fatos dessas tratativas internacionais também serão levantados.”
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a reportagem foi importante para puxar o debate sobre o assunto. Na sua visão, o ex-chanceler não atuou como deveria em outros temas importantes da CPI. “Ernesto não moveu uma palha para a vinda de respiradores, EPIs, testes e não participou das articulações para a compra de vacinas.”
Araújo pediu demissão em março após pressão da cúpula do Congresso, que o acusava de omissão no combate à pandemia. Ele é apontado como um dos responsáveis pelo fracasso na negociação entre os governos brasileiro e indiano para a compra de um lote de vacinas contra a Covid.
O Senado se tornou o grande foco de atritos com o exchanceler. O mais recente, considerado estopim para a saída, foi uma postagem nas redes sociais do ex-ministro que insinuava ligação do Senado com o lobby chinês pelo 5G —que, segundo ele, estaria por trás da pressão para derrubá-lo.
Horas após deixar o comando do Itamaraty, Araújo publicou sua carta de demissão, entregue a Bolsonaro.
No texto, ele se queixa de “uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas”.
Em nota enviada à Folha, a farmacêutica Apsen, citada nos telegramas do Itamaraty, afirmou que, “em abril de 2020, com as dificuldades de importação impostas pela pandemia, os esforços da companhia foram concentrados na manutenção do tratamento sem prejuízos à saúde dos mais de 100 mil pacientes crônicos em uso contínuo do medicamento; e em segundo momento, na contribuição com os estudos em andamento na época para análise da possível eficácia para o tratamento da Covid-19”.
Segundo a empresa, “com a proibição das importações por parte do governo indiano em abril de 2020, a Apsen trabalhou com estoque reduzido e comercialização racionalizada durante os meses de abril, maio, junho e julho. Diante do cenário de possível desabastecimento, contatamos o Ministério da Saúde e o consulado da Índia para auxiliar com importação dos insumos adquiridos em novembro de 2019, assegurando assim o tratamento dos pacientes que fazem uso contínuo dessa medicação, conforme indicação em bula e prescrição médica”.
Pasta diz que atua com mais órgãos por insumos e remédios
O Itamaraty afirmou nesta segunda-feira (10) que atua em coordenação com outros órgãos do governo para obtenção de insumos, medicamentos e vacinas. Disse também ter trabalhado ativamente para o país ingressar na Covax Facility, consórcio que fornecer vacinas a países pobres.
Na noite desta segunda-feira (10), o ministério enviou nota afirmando que, desde o início da pandemia, “os postos no exterior mantiveram contato, em suas jurisdições, com autoridades governamentais, laboratórios e empresas farmacêuticas envolvidos na pesquisa, desenvolvimento, produção e fornecimento de insumos e vacinas”.
O Itamaraty não explicou por que continuou a mandar telegramas requisitando facilitação no fornecimento de cloroquina em junho, quando já havia alertas sobre a ineficácia e efeitos colaterais da droga.
A nota afirma que “o MRE coordenou o ingresso do Brasil na Covax Facility, lançada em junho do ano passado, e apoiou o Ministério da Saúde para viabilizar a assinatura, em setembro de 2020, do contrato com a GAVI para fornecimento de vacinas ao país.”
O Itamaraty diz que, em agosto, os postos no exterior “foram instruídos a obter informações sistematizadas a respeito de projetos, iniciativas e ou parcerias na área de vacinas, inclusive previsão de disponibilidade e preços, informações sobre eficácia e segurança e sobre a aprovação regulatória e mecanismos de transferência de tecnologia.”