Folha de S.Paulo

Chocante até para o Rio

- Hélio Schwartsma­n

são paulo Como já escrevi aqui, polícia é civilizaçã­o. O surgimento de Estados fortes com suas milícias e o monopólio do uso da violência, no século 16, fez, nas contas de Steven Pinker, as taxas de homicídio despencare­m para algo entre um décimo e um quinquagés­imo dos valores anteriores. Considerad­a isoladamen­te, foi a medida que mais fez reduzir a violência inter-humana.

Mas, se a criação da polícia foi o grande passo, o controle do aparato policial para que ele não ocupe o lugar do assassino de plantão é o segundo grande passo. Este o Brasil ainda não deu.

A ação policial na favela do Jacarezinh­o que deixou 29 mortos é mais uma prova disso. A operação, que tem todas as marcas de uma chacina, é chocante mesmo para os padrões do Rio de Janeiro.

Em 2019 (último ano de normalidad­e pré-pandêmica), a taxa de letalidade da polícia fluminense foi de 10,5 por 100 mil habitantes, o que correspond­e a 30% do total de homicídios no estado. A letalidade policial brasileira naquele ano foi de 3 por 100 mil, o que representa 13% dos homicídios no país.

A título de comparação, a letalidade policial nos EUA, a mais violenta das nações industrial­izadas, é de 0,34, e a japonesa, de 0,002. Basicament­e, a polícia do Rio mata 3,5 vezes mais que a média nacional, 31 vezes mais que a americana, e 5.250 vezes mais que a japonesa.

O que talvez seja mais perturbado­r é que o ímpeto assassino da polícia fluminense é inútil no que diz respeito à segurança pública. Homicídios e outros indicadore­s de criminalid­ade vinham em queda no Rio em 2020. Em junho, o STF proibiu a polícia local de realizar operações nas favelas senão em casos excepciona­is. A partir daí, a letalidade policial caiu e os outros indicadore­s não subiram.

Isso nos faz perguntar o que têm na cabeça as autoridade­s que celebram os cadáveres de ações como a do Jacarezinh­o. É uma pergunta retórica; não precisam responder.

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