Folha de S.Paulo

Universida­des de pesquisa exigem cuidado permanente

Sucesso está atrelado ao desenvolvi­mento de sociedades prósperas e justas

- Jose Eduardo Krieger Professor da Faculdade de Medicina da USP e do InCor-Hospital das Clínicas da FMUSP, é membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-pró-reitor de Pesquisa da USP (2014-2018)

Universida­des de pesquisa são essenciais porque empurram as fronteiras que delimitam o conhecido do desconheci­do para tornar o homem mais informado e gerar riquezas. Elas não são medidas pelo número de seus egressos e dependem de um sistema que identifiqu­e alunos vocacionad­os que serão admitidos independen­temente de cor, sexo, orientação política ou, mais importante, nível socioeconô­mico.

Anualmente, algumas centenas de milhares de alunos completam o nível médio, e a Universida­de de São Paulo oferece cerca de 11 mil vagas de acesso. A ideia de que parte das 11 mil vagas resolveria o problema das distorções de acesso é questionáv­el e contribui para perpetuar um problema em busca de solução.

Não se faz justiça social para alguns no último andar da escada. Governante­s e legislador­es aplaudem os movimentos da USP em direção às ações afirmativa­s e se desobrigam da responsabi­lidade de prover acesso à educação básica e fundamenta­l de qualidade. O sistema de educação superior e profission­al do estado de São Paulo conta com diferencia­is como a USP e a Unicamp, com perfil de universida­des de pesquisa, a Unesp, uma universida­de de excelência no ensino e presente em 24 cidades de quase todas as regiões do estado, e o Centro Paula Souza, modelar para o ensino profission­alizante.

Estes três pilares, junto com as demais instituiçõ­es públicas e privadas, sob o estímulo e a articulaçã­o do governo do estado, podem atender à sociedade e sustentar o desenvolvi­mento de São Paulo. Pode-se, então, focar no maior desafio, que é matricular toda criança no ensino básico e assegurar que a maior parte dos jovens termine o ensino médio/profission­al em tempo.

A administra­ção da universida­de de pesquisa precisa ser ágil e profission­alizada para subsidiar as atividades dos docentes que deverão ser continuame­nte estimulado­s a indagações relevantes, de alto risco, e com certa tolerância a insucessos. A ascensão na carreira deve levar em conta esforços de longo prazo, se basear na excelência, e não servir de passaporte à participaç­ão na burocracia das universida­des.

A atividade de ensino deve refletir a missão da universida­de de pesquisa e priorizar o treinament­o de pós-doutorados, doutores, mestres, alunos de iniciação científica e, finalmente, alunos de graduação —estes fundamenta­is, mas foco de instituiçõ­es com outro perfil.

O reitor e os diretores das unidades que compõem a universida­de são lideranças que definem e coordenam o plano estratégic­o da instituiçã­o de acordo com sua missão e devem ser escolhidos por comitês com participaç­ão de membros externos, eliminando de imediato a política pequena e os ciclos eleitoreir­os ininterrup­tos. As atividades de inovação e desenvolvi­mento econômico, embora não sejam atribuiçõe­s das universida­des de pesquisa, dependem delas, pois preparam os profission­ais e têm os estoques de conhecimen­tos.

Um ecossistem­a centrado nas universida­des de pesquisa requer indução para que todas as interações tenham sucesso, o que incluem institutos de pesquisa, onde são dados os primeiros passos para transforma­r conhecimen­to em riqueza — as incubadora­s e os parques tecnológic­os onde empresas nascentes e maduras interagem, e os agentes de financiame­nto de risco, que alavancam o processo.

Os estoques de conhecimen­to das universida­des de pesquisa preparam a sociedade para o futuro, dando celeridade ao desenvolvi­mento de soluções para necessidad­es inesperada­s, que aparecerão durante uma crise sanitária ou quando uma empresa nacional precisa de solução para competir no mercado global.

Desde a Renascença a aposta na curiosidad­e humana se mostra útil, e ao longo dos tempos as nações mais desenvolvi­das são as que melhor dominam o método científico.

O sistema de educação e desenvolvi­mento de um Estado é uma construção coletiva sob a liderança responsáve­l de visionário­s, e o seu sucesso está atrelado ao desenvolvi­mento de sociedades mais prósperas e justas. Neste contexto, as universida­des de pesquisa são as galinhas dos ovos de ouro caras à sociedade.

Os estoques de conhecimen­to das universida­des de pesquisa preparam a sociedade para o futuro, dando celeridade ao desenvolvi­mento de soluções para necessidad­es inesperada­s, que aparecerão durante uma crise sanitária ou quando uma empresa nacional precisa de solução para competir no mercado global

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