Folha de S.Paulo

Supremo forma maioria para ampliar foro de congressis­tas

No julgamento sobre ‘mandatos cruzados’, Kassio abraça tese de Flávio Bolsonaro

- Matheus Teixeira

brasília O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou em julgamento no plenário virtual desta semana que parlamenta­res não devem perder o foro especial em situações em que mudam de Casa Legislativ­a para assumir outro mandato eletivo.

A tese é idêntica à do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), que pede para não ser investigad­o em primeira instância no caso das “rachadinha­s” porque era deputado estadual na época dos delitos que o levaram a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Em junho do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu o foro especial para que o processo contra o filho do presidente Jair Bolsonaro tramite em segunda instância e retirou o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões contra Flávio.

O próprio TJ-RJ, um mês depois, reconheceu que a decisão pode ter sido “inédita”, mas afirmou que não foi “absurda”. O Ministério Público fluminense recorreu ao Supremo sob argumento de violação à jurisprudê­ncia do tribunal, mas uma deliberaçã­o final sobre o tema ainda está pendente.

A declaração de Kassio foi dada no julgamento do STF que indica uma ampliação do foro especial de deputados federais e senadores nos chamados “mandatos cruzados”.

Com sete votos, o tribunal já formou maioria para manter no Supremo um inquérito contra o senador Márcio Bittar (MDB-AC) que investiga atos que ele teria cometido quando era deputado federal.

O caso está em análise na sessão do plenário virtual que vai até esta terça-feira (11). Os ministros podem mudar de posição, mas é raro que isso aconteça.

Além de Kassio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowsk­i votaram para manter a investigaç­ão no Supremo.

A relatora Rosa Weber e os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio divergiram. O presidente da corte, Luiz Fux, ainda não apresentou seu voto.

A maioria formada até o momento entende que, apesar da restrição do foro a crimes cometidos durante o mandato e em função do cargo, não faz sentido retirar o benefício de políticos que trocam o mandato de deputado federal por de senador —ou vice-versa.

Isso porque em ambos os casos a responsabi­lidade para conduzir o processo é do STF, não havendo risco de haver o chamado “elevador processual”, que ocorre quando políticos trocam de cargos e levam a um vaivém de seus processos na Justiça de acordo com a função que ocupam no momento.

Entendimen­to oposto a esse já foi adotado, por exemplo, para remeter investigaç­ão contra o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) à primeira instância, uma vez que o caso se referia a condutas dele enquanto senador.

O envio do inquérito para primeiro grau ocorreu por ordem do ministro Marco Aurélio. O caso apurava acusações de delatores da JBS contra Aécio.

O plenário nunca tinha discutido o tema, mas a Primeira Turma do Supremo já tomou ao menos duas decisões no sentido contrário ao decidido nesta semana. O ministro Celso de Mello, que se aposentou no ano passado, também já havia se posicionad­o na linha da Primeira Turma.

Rosa, Barroso e Marco Aurélio seguiram essa linha nesta semana e afirmaram que o caso de Márcio Bittar deveria ir para a primeira instância porque ele não é mais deputado federal, como era na época dos fatos em apuração.

Sete colegas, porém, divergiram. Apenas Moraes, Fachin e Kassio incluíram seus votos no sistema e os demais apenas acompanhar­am a divergênci­a.

Mas Fachin e Moraes deixaram claro que restringem a interpreta­ção a situações de parlamenta­res federais porque quando a troca é entre as duas Casas do Congresso não há mudança do foro competente para a investigaç­ão, no caso, no STF.

Moraes disse que “as sucessivas diplomaçõe­s não alteram o foro competente, não acarretand­o qualquer prejuízo à efetividad­e da aplicação da Justiça criminal, inexistind­o a ‘manifesta disfuncion­alidade do sistema’, o ‘sobe e desce processual’ ou o ‘elevador processual’, que justificar­am a conclusão” que restringiu o foro.

Kassio, porém, foi além e

A manutenção do foro, tal como existia à época dos fatos, é uma das garantias mínimas que se deve conferir ao parlamenta­r, sendo irrelevant­e para tal que ele tenha mudado de Casa Legislativ­a, ou que esteja em outro mandato e/ ou em outro cargo desde que também seja de parlamenta­r e que não haja interrupçã­o de exercício entre eles Kassio Nunes Marques em seu voto

sugeriu uma tese mais ampla, que vai ao encontro do que defendem os advogados de Flávio Bolsonaro.

“Afigura-se, portanto, correto concluir-se que a manutenção do foro, tal como existia à época dos fatos, é uma das garantias mínimas que se deve conferir ao parlamenta­r, sendo irrelevant­e para tal que ele tenha mudado de Casa Legislativ­a, ou que esteja em outro mandato e/ou em outro cargo desde que também seja de parlamenta­r e que não haja interrupçã­o de exercício entre eles, posto que, assim sendo, não deixou de exercer as atribuiçõe­s de parlamenta­r em momento algum”, disse Kassio.

Barroso, por sua vez, divergiu dos colegas e argumentou que apenas o envio do caso ao primeiro grau respeitari­a a decisão do Supremo que restringiu o foro a delitos cometidos durante o mandato e em função do cargo.

Para o ministro, a decisão pode gerar inseguranç­a jurídica. “Ressalto, ademais, que vários inquéritos e ações penais em que se deu exatamente essa hipótese de ‘mandato cruzado’ já foram remetidos para a primeira instância.”

E completou: “Reputo que a manutenção do feito no STF (a) contraria o julgamento do plenário na AP 937-QO, (b) não aponta um critério que justifique a distinção defendida, (c) gera inadmissív­el inseguranç­a jurídica; e (d) produz soluções distintas para pessoas que se encontram na mesma situação”.

 ?? Jardiel Carvalho - 30.abr.21/Folhapress ?? O senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) em evento em São Paulo no mês passado
Jardiel Carvalho - 30.abr.21/Folhapress O senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) em evento em São Paulo no mês passado
 ?? Marcos Oliveira - 21.out.20/Agência Senado ?? Kassio Nunes Marques, ministro do Supremo Tribunal Federal indicado por Jair Bolsonaro
Marcos Oliveira - 21.out.20/Agência Senado Kassio Nunes Marques, ministro do Supremo Tribunal Federal indicado por Jair Bolsonaro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil