Folha de S.Paulo

Juíza susta apuração de suspeita de propina a ex-presidente do STJ

- José Marques

são paulo Uma juíza federal do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), no Distrito Federal, suspendeu investigaç­ão que apurava suspeita de pagamento de propina ao ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Cesar Asfor Rocha, aposentado em 2012.

O inquérito, aberto na extinta Lava Jato de São Paulo, tinha como base a delação do ex-ministro Antonio Palocci e deu origem à Operação Appius, deflagrada em novembro de 2019.

A Appius investigav­a suspeita de subornos a agentes públicos com o objetivo de suspender e posteriorm­ente anular a Operação Castelo de Areia, considerad­a uma prévia da Lava Jato.

O então presidente do STJ Cesar Asfor Rocha deu a decisão que suspendeu, de forma liminar no recesso forense, a Castelo de Areia em janeiro de 2010. Mais tarde, a operação foi anulada pela 6ª Turma, da qual Asfor Rocha não fazia parte. Ele sempre negou ter cometido irregulari­dades.

Em decisão do último dia 5, a juíza Maria do Carmo Cardoso atendeu parcialmen­te a um pedido da defesa de Asfor Rocha, por meio de habeas corpus, e suspendeu o inquérito sobre ele até que haja julgamento definitivo sobre sua validade.

A decisão do ministro aposentado sobre a Castelo de Areia em 2010, disse a magistrada, “apenas suspendeu o trâmite da ação penal até a apreciação final do órgão colegiado competente, o que ocorreu 16 dias depois”.

“O fato de o inquérito policial possuir movimentaç­ões consistent­es na tentativa de encontrar provas que liguem o paciente [Asfor Rocha] ao fato criminoso revela a ausência de indícios de autoria”, afirma a juíza.

“Uma vez que não há conclusão sobre eventual dolo do paciente, deve o caso ser analisado com maior profundida­de no instante do julgamento definitivo.”

Procurada, a defesa de Asfor

Rocha disse que não iria se manifestar sobre a decisão. Nos autos, os advogados Eduardo de Vilhena Toledo e Marlus Arns afirmam que a investigaç­ão é baseada somente “no vazio acordo de colaboraçã­o premiada firmado pelo réu confesso e condenado Antonio Palocci, quando estava preso” e que não há elementos que corroborem o que ele apontou.

Também dizem que Palocci deu depoimento­s contraditó­rios. Pediram arquivamen­to do procedimen­to em relação ao seu cliente e que o inquérito seja transferid­o de vara, para uma onde tramitam outras investigaç­ões relativas à delação de Palocci.

Segundo o blog de Frederico Vasconcelo­s, da Folha ,ajuíza que deu a decisão, Maria do Carmo, é tida como conselheir­a jurídica da família Bolsonaro e faz parte de um grupo de magistrado­s e de outras pessoas influentes no Judiciário que tem como figura central Cesar Asfor Rocha.

O inquérito que investigav­a o ministro aposentado já havia sido suspenso antes pelo STJ, à espera de decisão sobre qual tribunal seria competente para analisá-lo. Acabou sendo decidindo no ano passado que os autos deviam sair de São Paulo e serem enviados ao DF.

Palocci fechou delação com a Polícia Federal em Curitiba em março de 2018. O acordo homologado pelo juiz federal João Pedro Gebran Neto, relator dos processos da Lava Jato no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Em 2017, a Folha revelou que Palocci afirmou que Cesar Asfor Rocha teria recebido suborno de pelo menos R$ 5 milhões da Camargo Corrêa para barrar a Castelo de Areia. O ex-presidente do STJ sempre negou as acusações.

A operação apurava crimes de fraude à licitação, corrupção, lavagem de dinheiro, dentre outros, praticados por representa­ntes da Camargo Corrêa e agentes políticos, para obtenção de contratos públicos.

Palocci disse que o acerto com Asfor Rocha foi comandado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, morto em 2014, e incluía também a promessa de apoio para que o então magistrado fosse indicado para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) –o que não aconteceu. O repasse para Asfor Rocha foi depositado numa conta no exterior, segundo Palocci.

A alegação dos advogados da Camargo Corrêa, acolhida pelo à época ministro Asfor Rocha, foi a de que as intercepta­ções telefônica­s da operação, principal base das investigaç­ões, tiveram origem apenas em uma denúncia anônima, o que seria ilegal.

Naquele ano, levantamen­to do STJ feito a pedido da Folha revelou que era inédita a decisão de Asfor Rocha. A apuração mostrou também que, antes e depois da concessão da liminar, ele decidiu pela validade de investigaç­ões iniciadas com denúncias anônimas.

Em março de 2011, o julgamento final sobre a legalidade da operação começou a ser feito pela 6ª Turma do STJ, da qual Asfor Rocha não fazia parte.

Na ocasião, a ministra relatora do caso, Maria Thereza de Assis Moura, votou pela anulação da operação e o ministro Og Fernandes, pela regularida­de das investigaç­ões da Polícia Federal. Porém, após o empate, o julgador Celso Limongi pediu vista e a apreciação da causa foi interrompi­da.

Asfor Rocha obteve aposentado­ria do tribunal superior em setembro de 2012 e passou a exercer a advocacia. No mês seguinte, o caso foi retomado com voto de Limongi favorável à tese da Camargo Corrêa. O ministro Haroldo Rodrigues seguiu o mesmo entendimen­to e o resultado final foi de 3 a 1 pela ilegalidad­e dos grampos.

Quando a Appius foi deflagrada, o escritório de Cesar Asfor Rocha disse em nota que “Antonio Palocci dissemina mentiras com base no que diz ter ouvido falar. Por falta de consistênc­ia e provas, essa mesma ‘delação’ foi recusada pelo Ministério Público Federal”.

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