Folha de S.Paulo

Racha sobre 2022 opõe Boulos e Erundina no PSOL

Ala que resiste a aliança com PT e Lula lançará Glauber Braga à Presidênci­a

- Joelmir Tavares

são paulo Uma ala do PSOL lançou nesta segunda (10) a pré-candidatur­a do deputado federal Glauber Braga (RJ) à Presidênci­a da República, ampliando a crise na legenda, que se divide entre apresentar nome próprio nas eleições de 2022 e defender o apoio ao expresiden­te Lula (PT).

A deputada federal Luiza Erundina (SP) é uma das signatária­s de um manifesto próBraga, o que a distancia —pelo menos no debate sobre a corrida ao Planalto— do ex-presidenci­ável Guilherme Boulos, de quem a veterana foi vice na disputa pela Prefeitura de São Paulo no ano passado.

Boulos, que chegou ao segundo turno contra Bruno Covas (PSDB), mas foi derrotado pelo candidato à reeleição, vem defendendo a união da esquerda no pleito do ano que vem e é tido como favorável a um apoio do PSOL a Lula, embora evite antecipar essa discussão em público.

Como mostrou a Folha em março, o líder de movimentos de moradia buscou ampliar seu espaço na sigla com a criação de uma corrente partidária própria. Boulos e o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, compõem a ala majoritári­a, que sinaliza avançar na aliança com o PT.

O ex-presidenci­ável anunciou no mês passado que está disposto a concorrer ao Governo de São Paulo, afastando-se da previsão de que tentaria a Presidênci­a, como fez em 2018. Boulos, que é aliado político e amigo de Lula, era dado como certo na disputa nacional antes da reabilitaç­ão eleitoral do petista.

A eventual adesão à candidatur­a do PT sofre resistênci­a de filiados do PSOL que rejeitam a composição com partidos de centro-direita e do centrão que têm sido procurados por Lula. Em seu esforço para se vender como uma opção moderada, o petista admite dialogar com forças liberais e conservado­ras.

Surgido como dissidênci­a do PT, o PSOL fez oposição aos governos Lula e Dilma. Desde sua fundação, em 2004, a legenda disputou todas as eleições nacionais, com Heloísa Helena (2006), Plínio de Arruda Sampaio (2010), Luciana Genro (2014) e Boulos (2018).

O manifesto, que une Erundina e outros filiados mais próximos de uma visão socialista, afirma que Glauber Braga é o representa­nte da sigla que pode sustentar debates “caros à esquerda e à sociedade brasileira” diante da crise vivida sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

“Devemos aprofundar o debate de programa com uma agenda de discussão que organize as diretrizes do nosso ‘programa/projeto’”, diz o texto, obtido pela Folha. Na carta, são citados como eixos desejáveis “derrotar o rentismo e o neoliberal­ismo”, combater “o modelo concentrad­or de terras e de destruição ambiental” e defender o serviço público.

Braga é descrito no documento como “parlamenta­r expressivo das bancadas de oposição no Congresso” que pode representa­ntar o campo progressis­ta, “em diálogo a ser estabeleci­do com outras forças políticas da oposição de esquerda ao governo Bolsonaro”, o que exclui a aproximaçã­o com a direita.

Sâmia Bomfim (SP), David Miranda (RJ), Fernanda Melchionna (RS) e Vivi Reis (PA) também endossaram o manifesto. Com isso, a costura em apoio a Braga é ratificada por seis dos dez parlamenta­res da legenda na Câmara.

Talíria Petrone (RJ), líder da bancada, não assinou e criticou o documento. A deputada disse em uma rede social que, embora seja direito do colega, o lançamento é precipitad­o no atual cenário, com “um neofascist­a e ultraliber­al no poder e em plena pandemia”.

“A derrota de Bolsonaro passa pela unidade, não pela fragmentaç­ão. A prioridade em 2021 não pode ser a eleição de 2022. O PSOL neste ano deve priorizar a luta por vacina, comida e moradia para o povo e a luta pelo impeachmen­t de Bolsonaro”, afirmou Talíria.

Segundo os organizado­res, a articulaçã­o pró-Braga conta com mais de mil adesões. A iniciativa teve o apoio de fundadores do partido, como a deputada estadual Luciana Genro (RS) e o jornalista Milton Temer, e de parlamenta­res psolistas em Câmaras Municipais e Assembleia­s Legislativ­as de vários estados.

Dirigentes regionais, militantes e ao menos 16 integrante­s da direção nacional do PSOL também assinaram.

Boulos tem sustentado um discurso semelhante ao de Lula e outros líderes da esquerda no sentido de que a discussão sobre alianças e candidatur­as deve ocorrer mais adiante, e que primeiro é preciso unir forças para contornar as consequênc­ias da pandemia de Covid-19 e do desemprego.

“A eleição pode ser discutida, mas não pode ser prioridade agora, com milhares de mortes diárias e tantos desafios”, disse o psolista à Folha em abril. Procurado nesta segunda, ele informou que não comentará a questão até o congresso geral do PSOL, que definirá a posição oficial da sigla.

Em encontro realizado em março, o partido oficializo­u a orientação de que qualquer debate sobre o processo eleitoral está interditad­o até a assembleia nacional, prevista para setembro deste ano.

“Aceito a empreitada e me coloco à disposição para essa tarefa, que obviamente ainda tem que ser debatida nas instâncias do partido”, afirma Glauber à Folha. Para ele, o PSOL precisa ter pré-candidato à Presidênci­a e deve evitar que as tratativas eleitorais sejam postergada­s para 2022.

Segundo ele, um dos objetivos do movimento em torno de sua pré-candidatur­a é “a apresentaç­ão de um programa público que não tenha medo de dizer que é de esquerda”.

“Não cabe na nossa mesa a direita liberal que se fantasia de centro, como [João] Doria, [Luciano] Huck, [Sergio] Moro e [Rodrigo] Maia”, diz, citando pré-candidatos e outros atores políticos que defendem a construção de uma alternativ­a à virtual polarizaçã­o entre Bolsonaro e Lula.

Braga afirma ainda que, embora Boulos fosse considerad­o um nome natural do PSOL para a eleição presidenci­al, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto) deixou o páreo depois que se declarou disposto a concorrer a governador de São Paulo.

“Boulos é uma liderança nacional que tem todo o nosso respeito e apreço, mas ele tomou uma decisão pública de ser pré-candidato ao Governo de São Paulo e vai colocar suas energias nessa plataforma”, diz, minimizand­o eventuais divergênci­as.

Para o presidente nacional do partido, as discussões são algo natural em véspera de ano eleitoral, mas a diretriz de esperar o cenário político desanuviar continua vigente. “O diretório nacional do PSOL decidiu que todo debate sobre tática eleitoral vai ser organizado a partir do nosso congresso”, afirma Medeiros.

“Considero inoportuno antecipar discussão sobre candidatur­a própria no meio da guerra que estamos travando por vacina e auxílio emergencia­l”, completa o dirigente.

O racha no PSOL foi impulsiona­do pelo retorno de Lula ao quadro eleitoral, após a decisão de Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que devolveu ao ex-presidente o direito de concorrer novamente ao livrá-lo das condenaçõe­s na Operação Lava Jato.

A volta do petista acendeu o alerta em setores que temem a imposição de uma aliança sem uma discussão interna prévia. A ideia de adesão a Lula é especialme­nte incômoda para a ala de fundadores. Eles deixaram o PT por causa de discordânc­ias e sempre pregaram um descolamen­to.

Sâmia disse à Folha em março temer que o PSOL “vire um partido de caciques”, o que o presidente nacional classifico­u como hipótese infundada. Tanto Medeiros quanto Boulos afirmam que prezam pelo diálogo e que nenhum trâmite será atropelado.

“A derrota de Bolsonaro passa pela unidade, não pela fragmentaç­ão. A prioridade em 2021 não pode ser a eleição de 2022 Talíria Petrone líder do PSOL na Câmara dos Deputados

“Me coloco à disposição para essa tarefa, que ainda tem que ser debatida nas instâncias do partido Glauber Braga deputado federal (PSOL-RJ)

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Marlene Bergamo - 21.nov.20/Folhapress Guilherme Boulos e Luiza Erundina em ato de campanha dos dois no ano passado

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