Folha de S.Paulo

Pressão de base bolsonaris­ta e servidor joga reforma administra­tiva para 2023

Lira diz que entrega PEC até julho ao Senado, mas até aliados do presidente veem entraves

- Daniel Carvalho, Danielle Brant e William Castanho

brasília A pressão da base de Jair Bolsonaro ameaça empurrar a reforma administra­tiva só para 2023. Deputados aliados do presidente se alinharam ao lobby dos servidores e querem evitar desgastes políticos a um ano das eleições.

Com isso, as mudanças nas carreiras do funcionali­smo —uma das principais bandeiras do ministro Paulo Guedes (Economia) desde o início do governo, em 2019— corre, mais uma vez, o risco de subir no telhado.

Deputados que vieram da carreira pública, em especial da segurança pública —como policiais civis, militares e federais—, procurador­es e defensores públicos temem dar andamento à reforma.

Soma-se ainda a esse cenário a resistênci­a de congressis­tas da oposição.

Esse movimento será um dos principais entraves para o cumpriment­o do calendário de tramitação planejado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O parlamenta­r, que também é líder do centrão, tem pressa e prevê a entrega da reforma ao Senado em julho.

O cronograma do aliado de

Bolsonaro e Guedes, no entanto, enfrenta obstáculos. Congressis­tas ligados a servidores anteveem disputas e dizem que esse prazo só será alcançado se o presidente avançar como um trator.

Um dos compromiss­os firmados com base, oposição e governo, por exemplo, é a realização de audiências públicas até sexta (14) na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça).

“É importante que, a partir daí, aquele colegiado [CCJ] libere a votação, porque ela não fere a Constituiç­ão, e aí ela estará pronta para o plenário”, disse Lira em entrevista na manhã desta segunda-feira (10) à Rádio Bandeirant­es.

“Em um mês e meio depois de liberada da CCJ, a gente entrega a [reforma] administra­tiva para o Senado”, afirmou.

A vontade de Lira, porém, esbarra até nas avaliações de bolsonaris­tas. Presidente da CCJ, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) disse que este tipo de pauta é mais viável no início de um governo.

No primeiro ano de mandato, o time de Guedes tentou apresentar uma reforma, mas adiou a entrega. A PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) com as mudanças chegou ao Congresso apenas em setembro de 2020.

“A gente vai tocar porque é pauta do governo. A gente não pode desistir, mas estou fazendo uma avaliação política: acho que fica mais complicado”, disse Bia Kicis à Folha. Para ela, é melhor deixar a tramitação para 2023.

Em 22 de fevereiro, Lira chegou a escrever em rede social que esperava que a reforma fosse aprovada pelos deputados em plenário até o fim do primeiro trimestre.

A proposta proíbe progressõe­s automática­s de carreira, como as gratificaç­ões por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilida­de em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.

Em fevereiro, ao listar suas prioridade­s no Congresso, Bolsonaro incluiu a chamada PEC 32/2020, que trata da reforma administra­tiva.

Agora, se a admissibil­idade da PEC for votada na CCJ na sexta, dia da última audiência, será possível instalar a comissão especial na próxima semana, segundo deputados que acompanham a tramitação.

No entanto, como a votação só deve ocorrer na próxima semana, o mais provável é que o texto só comece a ter o mérito

Bia Kicis (PSL-DF) presidente da CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Câmara, sobre a reforma administra­tiva

apreciado no fim de maio.

Após sair da comissão especial, a PEC é apreciada em plenário em dois turnos. O texto precisa obter o apoio de ao menos 308 deputados em cada votação. Só depois é que irá para o Senado, onde haverá dois turnos e serão necessário­s 49 votos para ser aprovada.

Apesar do otimismo de Lira, há poucas chances de a PEC chegar ao Senado até julho. Expectativ­as de quem acompanha as discussões preveem debates na comissão especial até meados de agosto.

Esse processo já promete polêmicas. À Rádio Bandeirant­es Lira disse, por exemplo, que era preciso tratar da revisão de pendurical­hos e supersalár­ios, que, segundo ele, são questões recorrente­mente cobradas na Câmara e deverão ser analisadas com a reforma administra­tiva.

Presidente da Frente Parlamenta­r Mista em Defesa do Serviço Público, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) contestou Lira. Segundo ele, já há projetos sobre o tema e sobre avaliação de desempenho.

“[A PEC] Não trata de privilégio­s, não organiza o serviço público e não trata de qualidade. Além disso, amplia poderes de presidente, governador­es, prefeitos, para um nível que só existia no Estado Novo e na ditadura militar”, disse.

“Há uma obsessão por uma reforma constituci­onal de grande envergadur­a de maneira açodada”, afirmou. “É um clima ruim, porque é uma reforma que precisa de debate acurado.”

Batista lidera um grupo com 242 congressis­tas —235 deputados e 7 senadores. Segundo ele, há colegas que ainda não tiveram tempo de ler a PEC.

A ampliação do debate, defende, deve acontecer na comissão especial. Para isso, o deputado disse que a estratégia da frente é ocupar as vagas no colegiado.

Nos cálculos de Batista, a frente tem quantidade de votos suficiente para ser ouvida no debate e evitar uma discussão atropelada. A ideia é que as conversas durem pelo menos três meses no órgão que vai analisar o mérito da PEC.

Para viabilizar o debate na comissão especial, a ideia de deputados que defendem a reforma administra­tiva é focar a comunicaçã­o na melhoria dos serviços públicos em vez de atacar supostos privilégio­s de categorias.

Esses congressis­tas tentarão, assim, evitar episódios como o protagoniz­ado por Guedes no início de 2020, quando o ministro chamou funcionári­os públicos de parasitas.

Ainda assim, quando sair da comissão especial, a reforma vai ter dificuldad­es no plenário da Câmara.

Além de deputados egressos ou ligados a carreiras públicas, há ainda críticas de setores ligados à segurança pública e a própria oposição, que soma cerca de 120 deputados.

“A gente vai tocar porque é pauta do governo. A gente não pode desistir, mas estou fazendo uma avaliação política: acho que fica mais complicado

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Carolina Antunes - 12.nov.19/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro e a presidente da CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Câmara dos Deputados, Bia Kicis (PSL-DF)

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