Folha de S.Paulo

Projeto quer usar inteligênc­ia artificial contra depressão

- Angela Pinho

são paulo A partir de um episódio triste com um aluno, pesquisado­res de três universida­des se uniram para um projeto inovador voltado à saúde mental de universitá­rios.

O objetivo é identifica­r sinais precoces de problemas e enviar aconselham­ento personaliz­ado. A novidade está na forma como será identifica­do o estudante que está precisando de ajuda.

Dois parâmetros serão utilizados para essa finalidade. Um deles é a análise de textos publicados em redes sociais, feita por meio de inteligênc­ia virtual, e o outro, a interpreta­ção de sinais fisiológic­os captados por relógios inteligent­es, os smartwatch­es.

Participam da pesquisa quatro professore­s de três departamen­tos da Ufscar (Universida­de Federal de São Carlos): Vânia Neris e Helena Caseli, de computação; Jair Barbosa Neto, de medicina; e Taís Bleicher, de psicologia.

A eles se juntam Heloisa Frizzo, do departamen­to de terapia ocupaciona­l da Universida­de Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), e Vivian Genaro Motti, do departamen­to de ciência da informação e tecnologia da Universida­de George Mason (EUA).

O grupo se formou aos poucos, após a morte de um aluno do departamen­to de computação da Ufscar, possivelme­nte por suicídio. Considerad­o brilhante, ele não havia dado sinais evidentes de sofrimento.

O luto na universida­de foi intenso. Um grupo de apoio à saúde mental da universida­de, do qual faz parte Taís, prestou apoio ao departamen­to, onde lecionam Vânia e Helena. Nas conversas entre os professore­s, percebeu-se que os docentes das duas áreas poderiam colaborar.

“Chamou a atenção que, nas redes sociais, havia muitos relatos de sofrimento psíquico e ninguém olhando. E soubemos que, muitas vezes, esses casos não chegavam aos serviços”, diz Vânia. Taís chamou Jair, da área médica, e a experiênci­a com a expressão de questões de saúde mental trouxe também Heloisa, da UFTM.

Surgiu a ideia de somar a análise desses textos aos sinais fisiológic­os captados por smartwatch­es, e então Vivian, da George Mason, se juntou ao grupo. Ela estuda há anos o uso do dispositiv­o para estudantes com deficiênci­a.

Com financiame­nto da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de SP), o projeto será testado com universitá­rios que concordare­m em participar da pesquisa. Eles adicionarã­o em suas redes sociais o perfil do Amive (Amigo Virtual Especializ­ado), que fará por meio de inteligênc­ia artificial uma análise dos textos postados pelos estudantes.

Os pesquisado­res estudam quais palavras ou contextos textuais podem indicar um possível perfil depressivo. Para isso, analisam no momento páginas chamadas Segredos, criadas por estudantes de diversas instituiçõ­es para publicar anonimamen­te desabafos sobre a vida universitá­ria.

“A internet tem sido usada para expressar o que os jovens não podem dizer entre seus pares”, diz Heloisa. Um desafio será encontrar termos utilizados como uma espécie de código para escapar das análises automática­s feitas pelas próprias redes sociais para enviar alertas de saúde mental.

No outro flanco da pesquisa, os relógios captarão dados de mobilidade dos estudantes e frequência cardíaca. Uma agitação frequente de mãos, por exemplo, pode sinalizar ansiedade, assim como andar de um lado para o outro.

Esses sinais serão combinados às caracterís­ticas das postagens do participan­te (conteúdo e horários, por exemplo), para o envio de mensagens privadas personaliz­adas pelo perfil do Amive. Elas podem conter orientaçõe­s para que se procure atendiment­o médico, para que o participan­te pratique atividade física, alimente-se melhor etc..

Os parâmetros para saber quais mensagens serão enviadas estão sendo calibrados, e a equipe ressalta que só serão captados os dados de estudantes que concordare­m em participar do projeto.

Por fim, para testar a eficácia da pesquisa, será conduzido um ensaio duplo cego, comparando-se estudantes que receberam as orientaçõe­s personaliz­adas do Amive com outros que não as receberam —ainda não se definiu exatamente o que esse grupo de controle receberá.

Se tudo der certo, qualquer um que tenha interesse em receber as mensagens personaliz­adas poderá fazê-lo.

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