Folha de S.Paulo

Toda forma de amor

Atleta do Palmeiras deve se lembrar que homofobia foi barreira para o futebol feminino

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

É 2021, então acho que já é seguro afirmar que todo mundo já teve contato com uma pessoa homossexua­l. Se não pessoalmen­te, ao menos indiretame­nte, ao assistir a novelas, programas de TV ou aos filmes que retratam casais homoafetiv­os —“Minha Mãe é uma Peça 3”, de Paulo Gustavo, é um ótimo exemplo e levou mais de 11 milhões de pessoas aos cinemas.

Ou seja, não estamos mais falando do “desconheci­do”. Talvez, para nossos pais ou avós, pessoas acima dos 60, 70 ou 80 anos, ainda seja difícil lidar com o que, para eles, parece “estranho”. Não porque casais gays não existiam na época deles, mas porque precisavam se esconder para sempre dentro de um armário com medo de viverem ainda em vida o inferno prometido àqueles que ousassem amar —não a pessoa, mas o sexo— errado.

Em um comentário de uma postagem nas redes sociais que descrevia Paulo Gustavo como “Umbandista, ator e homossexua­l”, Chú Santos, jogadora do Palmeiras, afirmou que ele “iria para o inferno”.

Com 31 anos de idade e sendo jogadora de futebol, conviver com pessoas homossexua­is é rotina. Sim, Chú pode dizer que “tem até amigas que são”, pois até mesmo no vestiário do clube ou da seleção brasileira, ela convive diariament­e com jogadoras abertament­e lésbicas e defensoras da causa LGBT.

Algo que não deveria ser tão difícil hoje em dia: defender o direito das pessoas poderem ser quem realmente são. Sem medo de ir para o céu ou para o inferno. Afinal de contas, se existe esse céu que tanta gente acredita, ele só pode ser um lugar cheio de amor. E é triste que, em 2021, a gente ainda tenha que gritar por aí que amar não é pecado.

A homofobia sempre foi uma questão no futebol. Mas hoje é um tabu muito maior no futebol masculino do que no feminino. Os gritos de “oooo bicha”, os cantos homofóbico­s tão presentes nos estádios em jogos dos homens (nos tempos prépandemi­a), nunca foram predominan­tes nos jogos delas.

É verdade que, no passado, uma das maiores barreiras que as mulheres enfrentava­m quando queriam jogar futebol era o “pacote” que se atribuía às jogadoras da época. “Mulher-macho”, “sapatão”, esses eram os apelidos dados a elas pelos preconceit­uosos. Fazia parte de um estigma que se criou para afastar as meninas do campo.

“Menina que joga futebol vira lésbica”, era comum ouvir essa frase. Típica de quem acha que orientação sexual é opção e não enxerga que, se assim fosse, ninguém escolheria o caminho tortuoso de gostar de quem, supostamen­te, te faria ir para o inferno.

Algumas décadas atrás, era comum ver reportagen­s sobre o futebol feminino usando modelos sensuais em vez de jogadoras em capas de revista. Ou então pedir para as atletas da seleção usarem salto alto e maquiagem na hora das fotos do jornal. Não faz tanto tempo. Há exatamente 21 anos, o regulament­o de um campeonato impedia jogadoras de terem cabelo curto.

Eram formas de tornar o futebol feminino tolerável. Ok, elas podem jogar, mas têm que usar maquiagem e salto alto, seguindo o “padrão heterossex­ual” de feminilida­de.

Quantos talentos o futebol perdeu por causa dessa homofobia? Quantas vidas o Brasil perde todos os dias pela intolerânc­ia de quem acha que vai para o céu por “amar certo”? Errado não é amar alguém do mesmo sexo. Errado mesmo é não amar.

A fala de Chú repercutiu mal. Foram muitas as jogadoras que se manifestar­am, inclusive suas próprias companheir­as de time. Como nos ensinou Paulo Gustavo: “É bom lembrar que contra o preconceit­o, a intolerânc­ia, a mentira, a tristeza, já existe vacina: é o afeto, é o AMOR”.

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