PF pede ao Supremo aval para investigar decisões de Toffoli
Ministro diz desconhecer fatos citados, referentes a período no TSE, e que jamais recebeu valores
A Polícia Federal encaminhou ao Supremo Tribunal Federal pedido de abertura de inquérito para investigar supostos repasses ilegais ao ministro Dias Toffoli quando integrou o Tribunal Superior Eleitoral, relatam Fabio Serapião e Camila Mattoso.
Em delação premiada, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral declarou que Toffoli teria recebido R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos fluminenses em processos no TSE, apurou o Painel. Ele fez parte dessa corte de 2012 a 2016.
O ministro diz desconhecer os fatos relatados, que teriam ocorrido em 2014 e 2015, e afirma que jamais recebeu valores ilegais. Esta é a primeira vez que a Polícia Federal pede ao Supremo aval para apuração que envolva um de seus integrantes.
Cabral, condenado a quase 343 anos de prisão, afirmou que tais pagamentos teriam sido operacionalizados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do Rio de Janeiro, e envolvido também o escritório da advogada Roberta Rangel, casada com Toffoli.
O material foi enviado no fim da semana passada ao ministro Edson Fachin, que encaminhou para a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestar. Venda de decisão por magistrados configura crime de corrupção passiva.
brasília A Polícia Federal encaminhou ao Supremo Tribunal Federal um pedido de abertura de inquérito para investigar supostos repasses ilegais ao ministro Dias Toffoli.
O pedido tem como base o acordo de colaboração premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral. É a primeira vez que a PF pede ao Supremo apuração que envolve um ministro da própria corte.
Segundo informações obtidas pelo Painel, da Folha, Cabral afirma que Toffoli recebeu R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos fluminenses em processos no Tribunal Superior Eleitoral.
Toffoli foi ministro do TSE de 2012 a 2016, tendo sido presidente da corte de maio de 2014 a maio de 2016.
Os pagamentos, segundo Cabral, teriam sido realizados em 2014 e 2015 e operacionalizados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do RJ. Braga era homem de confiança do ex-governador Luiz Fernando Pezão, e o dinheiro do pagamento ao ministro teria saído da fatia dos valores desviados do governo estadual que seguiam para o grupo do sucessor de Cabral.
Os repasses, na versão do delator, teriam envolvido o escritório da mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel.
O ex-governador afirma no acordo que chegou a se reunir com Roberta, mas que as tratativas sobre os pagamentos não foram engendradas por ele.
À PF Cabral disse que teve conhecimento das negociações para pagamento e que chegou a conversar com a pessoa indicada por Braga como intermediária dos repasses.
Como provas, entregou sua agenda de encontros com os envolvidos na suposta negociação e operacionalização dos pagamentos para Toffoli.
Sua defesa encaminhou uma lista com contatos telefônicos mantidos pelo ex-governador com os envolvidos nas irregularidades durante o período das tratativas pelas decisões favoráveis no TSE.
O pedido de investigação faz parte de um novo pacote de inquéritos solicitados pela PF a partir da análise da delação do ex-governador, condenado a mais de 300 anos de prisão.
Assim como nos anteriores, a PF fez uma validação prévia das informações, com base em dados de fontes abertas, para checar se há possibilidade mínima para seguir a apuração. Esses relatórios de validação também foram encaminhados ao STF junto aos depoimentos de Cabral.
Neles, os investigadores cotejam as informações do delator com os dados públicos. No caso de Toffoli, a PF chegou à conclusão de que há caminhos possíveis de apuração sobre pagamentos ilícitos.
Entre os caminhos estão os próprios processos que mostrariam como o magistrado mudou de posição em favor dos dois prefeitos. O material foi enviado no final da semana passada para o relator do caso, Edson Fachin, que encaminhou para a Procuradoria-Geral da República se manifestar.
Dias Toffoli disse, por meio da assessoria, não ter conhecimento dos fatos mencionados e afirmou que jamais recebeu os supostos valores ilegais. Em nota, refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções.
Cabral fechou o acordo com a polícia após negativa da PGR e dos procuradores que atuam no Rio de Janeiro.
À PF o ex-governador cita só pessoas com foro especial, mas ele ainda tenta negociar um acordo na 1ª instância para falar sobre irregularidades no âmbito estadual. Desde que assinou a delação, o político tenta deixar a prisão.
Em entrevista à Folha, seu advogado Márcio Delambert disse que Cabral deveria ser visto como aliado da Lava Jato por ter colaborado. “Essa visão de que Sérgio Cabral, como colaborador, está do lado oposto da Lava Jato é equivocada. A colocação dele em liberdade vai prestigiar o trabalho da própria Lava Jato”, disse.
A delação foi homologada em fevereiro de 2020 por Fachin, que autorizou a abertura de diferentes inquéritos e encaminhou para o então presidente do STF, Dias Toffoli, com pedido de distribuição.
Ainda em 2020, Toffoli desconsiderou a decisão de Fachin pela abertura dos casos, pediu manifestação de Augusto Aras e arquivou as investigações —três delas durante o recesso de julho e as outras pouco antes de deixar a presidência da corte, em setembro.
A manobra foi classificada como inédita por integrantes do STF, delegados e procuradores. A postura da PGR com o pedido de arquivamento, por sua vez, foi lida como uma reação ao fato de Fachin ter autorizado as apurações mesmo sem consentimento de Aras.
Há um recurso pedindo reconsideração dos arquivamentos nas mãos de Rosa Weber, vice-presidente do Supremo. Essa análise seria atribuição do presidente Luiz Fux, que se declarou impedido de atuar nesses processos.
Os inquéritos baseados na primeira parte do acordo de Cabral miravam ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), do TCU (Tribunal de Contas da União) e políticos.
Humberto Martins era um dos alvos dos inquéritos abertos por Fachin. Cabral disse à PF que o ministro, por meio do escritório de seu filho, o advogado Eduardo Martins, recebeu valores para conseguir decisões favoráveis ao expresidente da Fecomércio do Rio de Janeiro, Orlando Diniz.
Atual presidente do STJ, Martins é um dos cotados na indicação de Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo. André Mendonça, ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, é outro nome forte. O presidente afirmou que escolherá um terrivelmente evangélico.
O ex-governador do Rio apontou ainda para pagamentos ilícitos para os ministros do TCU Aroldo Cedraz, Bruno Dantas, Raimundo Carreira e Vital do Rego. Também foram citados políticos, um desembargador do TJ e integrantes do Ministério Público do Rio.
Envolvidos por Cabral na delação negam irregularidades.
A 18ª e última condenação do ex-governador foi em março de 2021, a mais 10 anos e 4 meses de prisão em regime fechado, por corrupção passiva.
Com ela, as penas de Cabral chegam a 342 anos, 9 meses e 16 dias de prisão.