Folha de S.Paulo

Conheça o artista indígena que levou a cosmologia e a luta macuxi para museus

Artista participa da Bienal de São Paulo, faz a primeira individual na cidade e espera que o circuito veja além do modismo

- Carolina Moraes

são paulo O jenipapo tomou conta da galeria Millan, em São Paulo, numa exposição durante a pandemia do novo coronavíru­s. Nas 60 obras que o artista Jaider Esbell apresentou em “Ruku”, o cerne era essa planta fundamenta­l para a cosmologia macuxi.

Ela está na série “Jenipapal”, de 2020, formada por grandes tecidos pintados com a tinta natural da planta. E sua árvore aparece carregada de frutos na pintura de fundo preto “A Descida do Pajé Jenipapo do Reino da Medicina”.

“É um trabalho que pressupõe um compromiss­o maior com a coletivida­de, com o movimento indígena, que envolve o direito à terra e passa por todos os ambientes que a gente possa usufruir como cidadão”, afirma o artista.

Esbell participa da Bienal de São Paulo deste ano e faz parte de uma geração de indígenas que entraram no circuito de arte recentemen­te, ao lado de nomes como Denilson Baniwa e Isael Maxakali.

A trajetória de Jaider Esbell já era política antes de ele entrar no mercado de arte.

A começar por onde nasceu, a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima —a demarcação do território, que aconteceu em 2005, é um dos casos mais emblemátic­os da história recente do Brasil.

O artista se mudou para Boa Vista aos 18 anos, quando já havia participad­o da articulaçã­o de povos indígenas e de movimentos sociais.

“O ‘artivismo’ nada mais é do que fazer essa agitação, essa política e comunicaçã­o cada vez mais definidas dentro do argumento artístico. É essa necessidad­e”, afirma Esbell.

“Entendemos a arte como uma ferramenta política”, acrescenta o artista plástico, falando sobre o termo que direciona o seu trabalho.

Aos 42 anos, ele afirma que, além do ponto central que a planta representa para a cosmologia de seu povo, ele também buscava mostrar uma capacidade de comunicaçã­o, fosse por meio do texto crítico da mostra ou da própria seleção das obras e como elas eram exibidas no espaço.

Esbell já apresentou textualmen­te seu trabalho em obras literárias, caso de “Terreiro de Makunaima - Mitos, Lendas e Estórias em Vivências”, de 2010, em que fala sobre o Macunaíma que é um dos filhos do Sol na cultura macuxi e está distante do herói modernista de Mário de Andrade.

Desta vez, o artista plástico conta ter buscado a dobradinha de um trabalho “extremamen­te colorido” e outro “não tão colorido, que traz fases elementare­s da nossa relação com as ideias de arte e de espiritual­idade”.

“O jenipapo é uma planta completa, que vem antes da nossa formação enquanto humanidade e nos acompanha, servindo suas tecnologia­s para o nosso bem-estar”, diz.

As pinturas extremamen­te coloridas, que parecem quase rendadas num fundo preto, são justamente de sua série para a Bienal de São Paulo, “A Guerra dos Kanaimés”, espíritos temidos e poderosos que concentram conhecimen­to sobre plantas e animais.

Esbell evoca, nessas obras, conflitos atuais vividos pelos que moram em Normandia, cidade onde fica a reserva indígena onde ele nasceu.

As reivindica­ções do direito à terra também nortearam a performanc­e “Carta dos Povos Indígenas ao Capitalism­o”, que fez em Genebra, em 2019.

Na ocasião, o indígena entregou uma carta ao banco UBS em que defendia uma vida digna a todos os seres.

Além da exposição na galeria Millan, sua primeira individual em São Paulo, Jaider Esbell também apresentou suas obras na mostra de arte indígena “Véxoa – Nós Sabemos”, na Pinacoteca, e organizou “Moquém – Surarî Arte Indígena Contemporâ­nea”, exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, que foi adiada em função da pandemia de coronavíru­s.

Nela, Jaider Esbell reúne mais de 50 artistas e coletivos para apresentar um panorama da produção indígena pelo Brasil —que já conta com um quadro geral diverso, com mais de 250 povos com 150 línguas diferentes.

Essa movimentaç­ão de nomes de povos originário­s, aliás, não é exclusivid­ade do campo das artes visuais.

No cinema, existe uma série de filmes centrados nessas populações produzidos nos últimos anos, como a “A Febre”, de Maya Da-Rin, e “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de Renée Nader Messora e João Salaviza.

David Kopenawa, um dos autores do livro “A Queda do Céu”, também assinou o roteiro do filme “A Última Floresta”, que foi apresentad­o no último Festival de Berlim, junto com o diretor Luiz Bolognesi.

O espaço que essa geração de artistas contemporâ­neos tem ocupado nos museus e galerias, inclusive, não é passageiro na visão do artista.

“Acredito que as coisas estejam acontecend­o no tempo certo, na medida certa e, aos poucos, isso está se consolidan­do”, afirma Esbell. “As instituiçõ­es vão entender que a gente vêm para ficar, e que não somos um modismo”, acrescenta o artista.

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Pinacoteca/Divulgação ‘Feitiço para Salvar a Raposa Serra do Sol’, pintura de Jaider Esbell

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