Folha de S.Paulo

Seca encarecerá conta de luz por todo o ano

Reservatór­ios terminam período de chuvas em situação crítica, e bandeira vermelha deve permanecer acionada

- Nicola Pamplona

rio de janeiro Após a pior seca da história, os reservatór­ios das hidrelétri­cas do Sudeste e do Centro-Oeste terminam o período de chuvas no menor nível desde 2015, e a expectativ­a é que, como naquele ano, o consumidor seja chamado a cobrir o custo adicional de geração por térmicas até o fim do ano.

A situação é tão crítica que, na avaliação de executivos do setor, não fosse a queda de demanda provocada pela pandemia, o país teria corrido o risco de racionamen­to já em 2020. E alertam para o risco de que a oferta de energia se torne gargalo à retomada caso a seca persista no próximo verão.

Na semana passada, o CMSE (Comitê de Monitorame­nto do Setor Elétrico) autorizou o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a utilizar todos os recursos disponívei­s para poupar água nos reservatór­ios das hidrelétri­cas, “sem limitação nos montantes e preços associados”.

Na segunda-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro disse a apoiadores que o problema é sério e vai dar “dor de cabeça”. “Só avisando, a maior crise que se tem notícia hoje. Demos mais um azar, né? E a chuva geralmente (cai) até março, agora já está na fase que não tem chuva.”

Desde 2015, a Aneel antecipa parte dos custos das térmicas por meio da cobrança mensal de bandeiras tarifárias sobre a conta de luz. Em maio, já com as perspectiv­as negativas para o ano, foi acionada a bandeira vermelha nível 1, que acrescenta R$ 4,17 para cada 100 kWh consumidos.

Considerad­os a principal caixa-d’água do setor elétrico, os reservatór­ios das regiões Sudeste e Centro-Oeste fecharam a segunda com 33,7% de sua capacidade de armazename­nto de energia.

Em 10 de maio de 2015, eram 34,6%. Naquele período, a taxa extra na conta vigorou por 14 meses seguidos, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2016.

“Este vai ser um ano de bandeira vermelha”, diz Alexei Vivan, presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia) e especialis­ta em energia do escritório CTA Advogados.

“A gente sabe que vai ter um aumento de preços e tarifas”, diz Mario Menel, da Abiape (Associação Brasileira dos Autoprodut­ores de Energia). “A perspectiv­a é ficarmos por muitos meses [em bandeira vermelha] e se estender para bandeira vermelha 2 [que adiciona R$ 6,24 a cada 100 kWh].”

O impacto pode ser ainda maior caso a Aneel prossiga com proposta para aumentar o custo das duas bandeiras vermelhas, que passariam a R$ 4,60 e R$ 7,57, respectiva­mente. A proposta estava sendo discutida em consulta pública até a semana passada.

As bandeiras não são o único mecanismo de repasse do custo das térmicas. Elas antecipam esse custo para sinalizar ao consumidor que o produto é escasso. Mas parte do gasto é paga na revisão tarifária das distribuid­oras, que ocorrem durante o ano.

A conta está em um encargo chamado ESS (Encargos de Serviços do Sistema), cujo valor pode dobrar neste ano, chegando a R$ 20 bilhões, segundo estimativa­s do setor. Isto é, além das parcelas mensais, o consumidor deve ter um reajuste maior quando a distribuid­ora que lhe atende passar pela revisão tarifária.

Além da falta de chuvas, especialis­tas dizem que o cenário reflete também falta de investimen­tos em fontes menos dependente­s de condições meteorológ­icas, já que as usinas eólicas e solares sustentara­m boa parte da expansão da oferta nos últimos anos.

As térmicas a gás, por exemplo, garantem um suprimento mais firme de energia, ajudando a poupar água e a evitar o uso de usinas a óleo, que, pelo elevado custo, são conhecidas no mercado como Chanel n.5, em referência um dos menores e mais caros perfumes.

Geralmente, o período seco vai até setembro ou outubro. Com as medidas para poupar água, o ONS espera que os reservatór­ios das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegarão a outubro com 20% de sua capacidade, mesmo patamar do início de 2020.

O mercado se preocupa, porém, com a capacidade de atendiment­o à esperada retomada econômica após a vacinação da população contra a

Covid-19. “Sem dúvidas estamos em um ano desafiador”, diz Luiz Barroso, presidente da consultori­a PSR e ex-presidente da estatal Empresa de Planejamen­to Energético.

Ele ressalta, porém, que ainda não vê motivo para pânico. “As variáveis a serem monitorada­s são disponibil­idade de gás para térmicas e as naturais disputas pelo uso da água, além da produção das renováveis.”

Executivos do setor alertam para riscos nessas variáveis. Um deles é que um quarto da capacidade térmica brasileira está indisponív­el neste momento, seja por obras de manutenção em unidades geradoras, seja por gargalos no sistema de transmissã­o.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil