Folha de S.Paulo

Pequeno manual para a CPI

- Ruy Castro

rio de janeiro Uma sessão de CPI, em que parlamenta­res interrogam judicialme­nte um depoente, se parece com uma coletiva de imprensa, em que jornalista­s fazem perguntas a uma pessoa. Em ambas, o objetivo é extrair informaçõe­s. O entrevista­do pode omitir ou mentir para os repórteres, porque sabe que nada lhe acontecerá. Já o inquirido pela CPI está sob juramento. É obrigado a responder a tudo e só dizer a verdade, ou sair dali preso. Mas, na prática, contando com a própria esperteza ou com o despreparo dos inquisidor­es, ele também omite ou mente à vontade e volta para casa assobiando.

Tanto o entrevista­do como o inquirido percebem logo o que o espera. Repórteres e inquisidor­es vaidosos, adeptos de perguntas longas, em que uma questão vai saindo de dentro da outra —e, no fundo, respondend­o-se mutuamente—, não oferecem perigo. Dão tempo para que o sujeito mastigue com calma o assunto e prepare uma resposta neutra. O que ele teme são perguntas curtas, diretas, objetivas, que não lhe deixem brecha para escapar. Ou responde e assume o risco ou mente e tenta fugir, mas isso será tão ostensivo que permitirá a quem pergunta um repique tão agudo quanto.

Nem todos os repórteres e parlamenta­res se dão conta de que o importante não é a pergunta, e sim a resposta. Mas, para isso, a pergunta, além de à queima-roupa, exige trabalho de casa. Perguntas sobre “o que o senhor acha” ou “sabe” sobre isso ou aquilo dão margem a vaguezas ou surtos de amnésia. A pergunta certa ainda é aquela que os antigos jornalista­s aprendiam: a que começa com quem, quando, onde, como, por que e com quem —e termina por um mortífero ponto de interrogaç­ão.

Antes de perguntar, deve-se também prever uma possível resposta e preparar o repique. Nenhuma pergunta pode ficar sem resposta.

Se for para ficar, é melhor sair dali, entregar a chave ao porteiro e continuar o papo no botequim.

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