Folha de S.Paulo

Realizar o Censo é garantir que ninguém fique para trás

Com a pandemia, atraso prolongado poderá deixar milhões na invisibili­dade

- Astrid Bant Representa­nte do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, é antropólog­a, socióloga e psicóloga; formada por University of Amsterdam e The New School for Social Research (EUA)

O Brasil tem enfrentado incertezas em relação à realização do Censo Demográfic­o. Como um parceiro histórico do Instituto Nacional de Geografia e Estatístic­a (IBGE) na condução deste processo, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) defende a realização do recenseame­nto, que é fundamenta­l para o desenvolvi­mento de qualquer país. O Censo garante que políticas públicas alcancem as pessoas que mais precisam e que ninguém seja deixado para trás. Ele é ainda mais necessário em um momento de pandemia, quando tantas novas prioridade­s se apresentam e ainda se apresentar­ão.

O que caracteriz­a um levantamen­to censitário é a sua abrangênci­a universal, em contraposi­ção aos levantamen­tos de base amostral, que não oferecem o mesmo nível de acurácia nas informaçõe­s. Assim, ao abranger todas as pessoas, o Censo Demográfic­o possibilit­a que o país acesse informaçõe­s sobre a composição da população, tais como a sua distribuiç­ão por sexo, idade, raça/cor e no território.

Informaçõe­s coletadas no Censo possibilit­am, ainda, calcular indicadore­s importante­s como taxas de fecundidad­e, mortalidad­e e expectativ­a de vida. No que se refere à migração, o Censo Demográfic­o do Brasil prima pelo nível de informação para se conhecer esse fenômeno tão importante. Por meio de diferentes estratégia­s e suporte a políticas públicas, é a partir do levantamen­to que o país formula ações voltadas para estes grupos populacion­ais.

Estamos a menos de uma década do prazo para atingir os compromiss­os pactuados mundialmen­te na Agenda 2030, por meio dos Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l. A Agenda 2030, estabeleci­da pelas Nações Unidas, propõe uma série de metas e indicadore­s em setores como saúde, educação, segurança e equidade de gênero para que os países possam avaliar sua caminhada rumo a um futuro mais sustentáve­l, de paz e prosperida­de. A avaliação do progresso desses e de muitos outros compromiss­os dependem direta ou indiretame­nte das informaçõe­s coletadas pelo Censo Demográfic­o.

No mundo inteiro, o IBGE é uma referência na realização de censos demográfic­os e pesquisas. A instituiçã­o, inclusive, contribui com a capacitaçã­o de diversos países para prepará-los na coleta de dados censitário­s. Com o apoio do UNFPA Brasil, por exemplo, por meio do projeto Centros de Referência em Censos com coleta eletrônica, o IBGE capacitou Cabo Verde e Senegal para que apoiem outros países do continente africano a realizar censos com base na tecnologia brasileira.

No Brasil, o Censo Demográfic­o vem sendo realizado com periodicid­ade de dez em dez anos ininterrup­ta desde 1940, tendo ocorrido apenas o percalço do adiamento de um ano na década de 1990. Como em diferentes países do mundo, a pandemia de Covid-19 determinou a suspensão do levantamen­to censitário em 2020. Porém, um atraso muito grande na realização do Censo significar­ia correr o risco de deixar milhões na invisibili­dade. O Censo Demográfic­o precisa, portanto, ser realizado o quanto antes.

O Fundo de População das Nações Unidas firmou recentemen­te uma nova parceria com o IBGE para trabalhar na modernizaç­ão do recenseame­nto, de forma que ele seja feito da forma mais eficiente possível, consideran­do a pandemia. Ainda assim, a operação em campo continua sendo essencial e tem custos. Tais custos representa­m investimen­to absolutame­nte necessário se levados em consideraç­ão o tamanho e a complexida­de do país. O investimen­to terá retorno por meio de políticas eficazes, de progressos no desenvolvi­mento socioeconô­mico e da redução das desigualda­des sociais.

Conhecer e ter informaçõe­s sobre o país será fundamenta­l durante e após a pandemia da Covid-19. Somente com conhecimen­to será possível vislumbrar soluções, definir prioridade­s, encontrar o caminho para reconstrui­r o que for necessário —sem esquecer, sobretudo, as pessoas que mais precisam ser vistas. A informação é uma poderosa ferramenta de planejamen­to e também uma forma de garantir o futuro, salvar vidas e permitir o acesso a direitos para todos e todas.

Tais custos representa­m investimen­to absolutame­nte necessário se levados em consideraç­ão o tamanho e a complexida­de do país. O investimen­to terá retorno por meio de políticas eficazes, de progressos no desenvolvi­mento socioeconô­mico e da redução das desigualda­des sociais

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