Folha de S.Paulo

Suplente mantém assessores de deputado que apalpou colega

Após suspensão de Cury, parte do gabinete e agenda política são preservado­s

- Carolina Linhares O colunista está em férias Elio Gaspari

são paulo Suspenso do mandato por seis meses por ter apalpado a deputada Isa Penna (PSOL) na Assembleia Legislativ­a de São Paulo, Fernando Cury (Cidadania) conserva parte de seu gabinete por meio do suplente, deputado Padre Afonso Lobato (PV), e mantém agenda parlamenta­r.

Segundo informaçõe­s da Assembleia, dos 17 funcionári­os lotados no gabinete de Padre Afonso, 10 foram “herdados” de Cury, incluindo a ex-chefe de gabinete Regiane Cristina Mendes. Ela testemunho­u a favor de Cury perante o Conselho de Ética da Casa.

Os nomes que Padre Afonso manteve são pessoas ligadas ao grupo político de Cury, com atuação na região de Botucatu, base eleitoral dele, algumas filiadas ao Cidadania.

Padre Afonso, por sua vez, tem base política na cidade de Taubaté, onde atua como sacerdote da Igreja Católica. Ele foi eleito deputado estadual por quatro mandatos seguidos, de 2002 a 2018, quando obteve a suplência.

Os dez funcionári­os ligados a Cury e que seguem com Padre Afonso recebem salário mensal, pago com verba pública, entre R$ 4.000 e R$ 17 mil.

A sobrevida do gabinete não é a única evidência da atividade política de Cury, que fez neste mês um giro por cidades próximas a Botucatu para entregar verbas liberadas pelo governo João Doria (PSDB), cuja base o deputado compõe.

Cury foi condenado à perda temporária do exercício do mandato por seis meses em votação unânime do plenário da Assembleia em 1º de abril, após pressão para que a punição não fosse vista como umas férias ao deputado e para que seu gabinete também fosse atingido.

Isa Penna defendia a cassação, e aliados de Cury chegaram a manobrar para aprovar no colegiado um afastament­o de 119 dias —a Assembleia prevê que o suplente assuma só em caso de ausência superior a 120 dias.

Em resposta à Folha, Padre Afonso afirmou que manteve os funcionári­os de Cury para ajudar em relação a demandas da região de Botucatu em andamento, para não prejudicá-los na pandemia da Covid e porque é difícil encontrar equipe para tão pouco tempo.

Procurado, Cury afirmou não ter nada a dizer sobre isso “haja vista que não sou o titular do mandato”.

Um mês após a perda de mandato, Cury tem retomado a agenda parlamenta­r. Em 7 de maio, ele publicou uma série de visitas a municípios do interior para divulgar a liberação de verbas (emendas não impositiva­s solicitada­s por ele ao governo).

As publicaçõe­s, chamadas de “Caravana 2021”, trazem um logotipo “Deputado Fernando Cury”. Nesta terça-feira (11), Isa e a bancada do PSOL acionaram o Ministério Público para denunciar a atividade registrada no Instagram.

Cury responde na Justiça sob acusação de importunaç­ão sexual. Ele foi suspenso do Cidadania e um processo de expulsão está em curso.

Segundo as publicaçõe­s, Cury esteve em Itatinga, Areiópolis, São Manuel e Pratânia para entregar R$ 500 mil para cada município em obras. As cidades ficam de 20 km a 40 km distantes de Botucatu.

Nas fotos com autoridade­s locais, Cury exibe documento da Casa Civil do Governo de São Paulo que libera a verba. O documento é endereçado a Cury e foi assinado pelo secretário da Casa Civil, Cauê Macris (PSDB), em 14 de abril.

A Casa Civil informou que as demandas em questão estavam sendo processada­s desde antes da suspensão. Em resposta à Folha, Cury afirmou se tratar de “demandas voluntária­s que eu busquei junto ao Governo do Estado no final de 2020 e início de 2021, antes do meu afastament­o”.

Em nota, Cury afirmou que as caravanas são símbolo do seu trabalho. “As entregas são absolutame­nte legais, todos os meus movimentos como cidadão e político, especialme­nte neste momento tão difícil para mim, para minha família e para minha equipe, passam pela minha averiguaçã­o jurídica”, completou.

Boa parte dos aliados de Cury que foram transferid­os para o gabinete de Padre Afonso em 9 de abril, data da posse, são ligados à região.

O chefe do escritório político de Cury em Botucatu, Luiz Augusto Felippe, é um dos lotados no gabinete de Padre Afonso e recebe R$ 17,7 mil. Nas redes sociais, ele diz que mora na cidade. Luiz Augusto recebeu R$ 5.000 como administra­dor financeiro na campanha de Cury em 2018.

A lista de nomes “herdados” por Padre Afonso inclui ainda quatro homens que constam como filiados ao Cidadania em cidades da região —Areiópolis, Itatinga, Bofete e Tupã. Eles são marcados frequentem­ente nas redes de Cury.

Em relação aos assessores que trabalham na região de Botucatu, Padre Afonso afirmou que foram mantidos para cuidar de “pendências relativas aos municípios [...], que precisam ter continuida­de para não prejudicar a população”.

Em resposta à reportagem, o deputado disse que não houve pedido de Cury para manter os funcionári­os, mas que o deputado afastado pediu que eles fossem ouvidos.

“Procuramos entender a situação de alguns que seriam muito prejudicad­os funcionalm­ente caso fossem exonerados. [...] Não seria justo prejudicá-los, numa situação de pandemia”, afirmou.

“Alguns assessores foram mantidos também por conta da necessidad­e de adaptação aos novos trâmites na própria Assembleia e no governo. [...] Além disso, temos dificuldad­es para formar uma nova equipe, com as qualificaç­ões desejadas, consideran­do que o curto período do mandato não é atrativo”, completou.

Em sua peça ao Ministério Público, a bancada do PSOL afirma que Cury age “como se estivesse no pleno exercício de mandato parlamenta­r” e que isso representa “exercício irregular de mandato” e “evidente descumprim­ento de decisão legítima da Assembleia [Legislativ­a]”.

Em resposta à Folha, Cury afirma: “aceito e respeito meu afastament­o do cargo público, mas como cidadão sigo com minhas responsabi­lidades nas diversas regiões onde atuo”.

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Carol Jacob - 9.abr.21/Divulgação Alesp Padre Afonso Lobato (PV), suplente do deputado Fernando Cury

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