Folha de S.Paulo

Apelo ambiental de Biden tem de confluir objetivos dos países

Para vencedora do Pulitzer, governos estrangeir­os têm razão ao duvidar de ofertas de ajuda internacio­nal

- Rafael Balago

são paulo O presidente dos EUA, Joe Biden, tem buscado convencer outros países a fazerem mais esforços para combater as mudanças climáticas, mas os governante­s só irão atendê-lo se verem que há vantagens para seus próprios países, diz a jornalista americana Elizabeth Kolbert.

Para ela, os países em desenvolvi­mento estão certos ao serem céticos em relação a promessas de auxílio internacio­nal e a perspectiv­as de avanços mais amplos. A jornalista, vencedora do Pulitzer em 2015, considera o Brasil um país-chave para definir como o mundo será no futuro e afirma que imagens de satélite poderão provar se Bolsonaro está comprometi­do com a preservaçã­o da Amazônia.

Kolbert, 59, pesquisa como as ações da humanidade afetam a natureza. Em seu livro mais recente, “Sob um Céu Branco – A Natureza no Futuro” (ed. Intrínseca), ela detalha como esforços para conservar a natureza acabaram gerando novos problemas.

Um exemplo: estuda-se jogar substância branca no céu para refletir a luz solar de volta ao espaço e, assim, tentar esfriar o planeta. O efeito colateral é que o céu deixaria de ser azul. Ela conversou com a Folha por videochama­da.

Em seu livro, a senhora relata vários problemas que surgiram quando o homem tentou consertar estragos que fez na natureza. O presidente Joe Biden agora propõe novas ações nesse sentido. Isso pode gerar mais problemas?

Basicament­e, o que Biden está tentando fazer é trocar nossos sistemas de energia que dependem de combustíve­is fósseis por outros de energia limpa. Mas vamos ver se, nesse processo, serão criados novos problemas, e poderemos decidir se valerá a pena. Provavelme­nte sim, dados os danos gerados pelas mudanças climáticas. Por exemplo: será necessário uma grande quantidade de metais de terras raras para as novas tecnologia­s energética­s, e eles são muito difíceis de obter, em um processo que gera poluentes. Esse tipo de busca constante por equilíbrio é o nosso futuro.

Não há solução simples para resolver esses problemas sem criarmos outros. Temos que ser honestos sobre isso.

Biden será capaz de convencer outros governos a fazer mais pelo ambiente?

Não acho que algum país fará algo contra seus interesses nacionais. Então, um dos principais pontos para conter emissões de forma robusta será mostrar que há como fazer isso de modo a trazer benefícios, de modo a tornar as coisas mais baratas e eficientes. Os EUA e a China estão em melhores posições para liderar esse caminho. Se isso vai dar certo, não sei. Estamos indo na direção errada desde a Rio1992. Todos têm conhecimen­to de que a mudança climática é um problema a ser prevenido, que ela é perigosa. Isso faz 30 anos, e o que aconteceu? Não foi um bom histórico.

Como países ricos podem ajudar os países em desenvolvi­mento nesse caminho? A saída é dar mais dinheiro, como sugere o Brasil?

Há vários caminhos criados dentro da estrutura da ONU. Acordos como os de Kyoto [1997] e de Paris [2015] trouxeram a ideia de que os países desenvolvi­dos iriam ajudar os menos desenvolvi­dos, com transferên­cias de tecnologia e envios de dinheiro. Países menos desenvolvi­dos estão certos de apontar que essas promessas nunca foram mantidas. Não foi um histórico feliz ou expressivo. Mas deveria haver um fundo verde do clima e transferên­cias de tecnologia.

O governo de Jair Bolsonaro tem conseguido convencer o mundo de que mudou de postura ao enfatizar a defesa da Amazônia?

As provas dirão. Há dados de satélite, muito bons, que nos mostram o que está acontecend­o na Amazônia. Não é como um segredo, que você pode dizer “estamos reduzindo o desmatamen­to” e todos têm que acreditar. Os dados dos últimos anos têm sido ruins, são uma tragédia para o futuro da vida na Terra. E se Bolsonaro está dizendo que vai fazer melhor, ótimo. Mas ninguém vai acreditar até ver algo real. O Brasil é um jogador-chave na questão de como o mundo vai estar daqui a 30, 40, 50 anos, então realmente espero que os brasileiro­s vejam que preservar o que resta da floresta amazônica atende aos seus maiores interesses nacionais. Vocês têm o privilégio e a responsabi­lidade de ser o lar dessa parte extraordin­ária da Terra.

Biden tem tentado melhorar o transporte público, como os trens. Conseguirá reverter essa tendência?

Ele não pode forçar as pessoas a pegá-lo. Você pode melhorar esses sistemas, e o mundo sabe que eles precisam de melhorias, mas se todos se sentem inseguros com o coronavíru­s... Há também a questão de que muita gente nos EUA se mudou para cidades do interior, onde o transporte público é menos eficiente ou não existe. Espero que todos voltem [ao transporte público] porque uma coisa que não podemos dar conta são mais pessoas se deslocando de carro. Não devemos ir nesta direção.

Como as pessoas podem ajudar a cortar emissões em sua rotina, de forma prática?

O maior modo como as pessoas geram emissões é a maneira como saem por aí. Onde vivo [nos EUA], faz muita diferença como as pessoas aquecem suas casas, e creio que no Brasil é como as pessoas usam o ar condiciona­do. Um lugar como o Brasil deveria ser líder em energia solar. Vocês têm muito sol. Todos deveriam ter um painel solar em cima das casas no Rio ou em São Paulo. Essa redução passa também por consumir menos e por quantas crianças você tem. A decisão sobre quantos filhos vamos ter é a que gera mais impacto sobre as emissões de carbono no futuro.

E que ações governos e grandes empresas poderiam priorizar para conter o aqueciment­o?

Ambos controlam como vamos obter energia. Não deveríamos financiar instituiçõ­es e colocar dinheiro em projetos que vão gerar mais infraestru­turas ligadas a combustíve­is fósseis. Elas têm vida útil de mais de 50 anos, e a última coisa que precisamos é de mais estruturas dessas. Os bancos têm um papel crucial. Se você conseguir dinheiro para furar poços de petróleo, para vender petróleo, e as pessoas, para comprar petróleo, as coisas vão acontecer, porque é assim que o sistema funciona. Então temos que pensar que as decisões não podem ser feitas do mesmo modo que no passado.

O Brasil é um jogador-chave na questão de como o mundo vai estar daqui a 30, 40, 50 anos, então espero que os brasileiro­s vejam que preservar o que resta da floresta amazônica atende aos seus maiores interesses. Vocês têm a responsabi­lidade de ser o lar dessa parte extraordin­ária da Terra

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