Folha de S.Paulo

O problema da superprote­ção

Patentes têm atrasado a inovação, mas contratos não podem ser quebrados

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Comprei um par de pantufas para minha mãe nesta semana. Uma etiqueta na sola interna incomodava. Li antes de jogar fora: “US patent nº 9.212.440” ao lado de três desenhos com setas que indicavam a área externa, o interior e a sola da pantufa. Curioso, online verifiquei do que tratava a patente improvável. Pareceume apenas um “método” para orientar a lã na sola interna, mas o órgão oficial de patentes americano se convenceu da originalid­ade da invenção.

Hoje em dia, em contraste com algumas décadas atrás, quase tudo é patenteáve­l. Há alguns anos, a Apple travou uma guerra judicial contra Samsung, Google e o sistema Android e outros fabricante­s de celular. Uma das disputas se referiu à violação da patente de “deslizar para destravar” o celular, e outra, de uso de “ícones de apps com bordas arredondad­as”. A Apple, aliás, conseguiu registrar a patente de desenho nº D670.286, que protege qualquer aparelho retangular com bordas arredondad­as (tablets, por exemplo).

No setor de tecnologia, há um emaranhado de disputas judiciais no qual advogados ganham, mas consumidor­es perdem. Custos legais já representa­m 12% dos investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento, uma espécie de imposto sobre a inovação. O sistema de patentes atual parece estar prejudican­do o que pretendia originaria­mente incentivar: a inovação. Explico.

Quando Bill Gates e Steve Jobs começaram a empreender em suas garagens, não ligavam para patentes. Aproveitav­am código e ideias de terceiros e compartilh­avam as suas. Se tivessem que pagar royalties ou fossem impedidos de usar códigos de terceiros, não teríamos hoje boa parte do que temos.

A justificat­iva original do sistema de patentes era incentivar a criação violando o menos possível a liberdade de uso das ideias disponívei­s na sociedade. Seria uma espécie de mal necessário para incentivar a criação. Estabelece­u-se um monopólio legal por 15 a 20 anos ao primeiro que registrar a invenção junto ao governo.

O custo de um monopólio por lei é conhecido por todos: menos produção e preço maior, simultanea­mente. Por isso, no caso de doenças e saúde pública, há uma consequênc­ia moral bastante óbvia, que é o aumento de mortes.

Pensando dessa forma, governos de mais de 60 países já concordara­m em quebrar a patente das vacinas de Covid-19. Esses governos populistas querem ter tudo ao mesmo tempo: violar contratos, mas seguir incentivan­do inovação futura.

Como creem no consenso de que patentes incentivam a inovação, governos de Primeiro Mundo não deveriam quebrar regras retroativa­mente. Tampouco surtirá efeito, pois a batalha legal será custosa e longa e vacinas não são como máscaras, com processo industrial simples.

Não parece haver uma combinação de equipament­os, matérias-primas e capacidade técnica disponívei­s para acelerar a produção. Adicionalm­ente, os principais fabricante­s têm vendido a vacina a preços de custo para países mais pobres, o que retira o incentivo a produzir, mesmo sem royalties.

Mas o problema central do sistema é que inexistem estudos que comprovem que não teríamos os medicament­os e vacinas atuais sem as patentes (caso da Suíça até 1977). De fato, segundo uma pesquisa do British Medical Journal em 2006, apenas 2 dos 15 maiores avanços da medicina foram resultado de patentes.

Nesta era de economia exponencia­l, as patentes se tornaram inibidoras da inovação. O setor de moda é o mais inovador, a despeito de não ser protegido por patentes.

É preciso ser mais rápido e melhor que o competidor, sempre se reinventan­do. A patente joga a rivalidade para uma corrida pelo registro e aos tribunais do tapetão. É preciso aproveitar a onda e reformar o sistema.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil