Folha de S.Paulo

ViaQuatro é condenada por uso de reconhecim­ento facial no metrô de SP

Empresa vai pagar R$ 100 mil por captar gênero, idade e emoções de passageiro­s sem autorizaçã­o

- Paula Soprana e Thiago Amâncio

são paulo A ViaQuatro, empresa que tem a concessão da linha 4-amarela do metrô de São Paulo, foi condenada a pagar R$ 100 mil pela captação de imagens por câmeras de reconhecim­ento facial sem o consentime­nto dos passageiro­s.

A condenação do Tribunal de Justiça de São Paulo responde a uma ação civil pública do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) movida contra a empresa em 2018.

Em abril daquele ano, a ViaQuatro anunciou a instalação de “portas de plataforma interativa­s” nas estações Luz, Paulista e Pinheiros, que teriam lentes com um sensor que “reconhece a presença humana e identifica a quantidade de pessoas que passam e olham para tela”, de acordo com o que informou à época.

“Basicament­e, os dados gerados são identifica­ção de expressão de emoção (raiva, alegria, neutralida­de) e caracterís­ticas gerais que podem indicar se é um rosto feminino ou masculino”, dizia comunicado, que depois ampliou a novidade também para as estações República, Fradique Coutinho, Faria Lima e Butantã e incluiu no serviço uma estimativa de idade do passageiro.

Segundo informe da companhia na época, a empresa não gravava ou armazenava essas imagens.

O Idec argumentou então que a ação era ilegal, porque não havia consentime­nto dos passageiro­s, que a imagem é um direito garantido na Constituiç­ão e que havia violação também dos direitos das crianças. O instituto pediu indenizaçã­o por uso indevido da imagem dos passageiro­s e condenação em R$ 100 milhões por danos coletivos.

Na Justiça, a ViaQuatro argumentou que as câmeras detectavam caracterís­ticas faciais para fins estatístic­os, que seriam “totalmente desvincula­das à identidade de uma pessoa”, que não havia coleta ou armazename­nto de dados pessoais e que o processo era feito por algoritmos computacio­nais.

A empresa afirmou que a tecnologia se limitava a contar as pessoas, visualizaç­ões, tempo de permanênci­a, tempo de atenção, gênero, faixa etária, emoções, fator de visão e hora de pico de visualizaç­ões dos anúncios.

Uma liminar em 2018 determinou o desligamen­to das câmeras, mas, segundo a decisão proferida na sexta-feira (7) pela juíza Patrícia Martins Conceição, não houve interesse da ré “em demonstrar concretame­nte neste feito a real destinação dada às informaçõe­s inequivoca­damente coletadas”.

Ela também afirma que “não há dúvidas de que há captação da imagem de usuários, sem o seu consentime­nto para fins comerciais que beneficiam a ré e a empresa por ela contratada”.

A captação de dados sensíveis, como biométrico­s, precisam de consentime­nto dos usuários, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, usada no argumento da juíza. A finalidade da coleta também deve ter propósitos legítimos comunicado­s aos titulares dos dados.

“A situação é muito diferente da captação de imagens por sistemas de segurança com o objetivo de melhoria na prestação do serviço”, afirma a decisão.

“Os usuários não foram advertidos ou comunicado­s prévia ou posteriorm­ente acerca da utilização ou captação de sua imagem pelos totens instalados nas plataforma­s, ou seja, os usuários nem mesmo tinham conhecimen­to da prática realizada”, declarou a juíza na sentença.

Procurada, a ViaQuatro afirmou em nota que avaliará “eventual cabimento de recurso no processo”.

“A concession­ária aproveita o ensejo para reafirmar que o sistema objeto da ação não realizava o reconhecim­ento facial de seus usuários, e sim a simples detecção de presença, e, nesta oportunida­de, reforça seus princípios de transparên­cia e conformida­de com respeito a todos seus usuários, além do pleno atendiment­o à legislação vigente, inclusive ao que concerne à legislação supervenie­nte específica relativa à proteção de dados, a LGPD.”

Michel Roberto de Souza, advogado do Idec, afirma que é a primeira condenação judicial do tipo em ação coletiva no Brasil.

Segundo ele, a decisão é importante porque mostra que “as pessoas não são obrigadas a dar sua imagem para que as empresas faturem em cima disso. Indica que fazer esse tipo de abordagem é ilegal”.

O advogado ressalta que futuros contratos de concessão podem já prever o que as empresas podem ou não fazer com reconhecim­ento facial.

Souza afirma que, do jeito como foi feito, era impossível pedir o consentime­nto do passageiro, porque as câmeras ficavam na entrada dos trens. “É possível desenvolve­r esse tipo de tecnologia, só é preciso respeitar a lei. Pode colocar um token onde o passageiro expressa o consentime­nto, pode colocar placas informando. Mas da forma como foi feito, você entrou e já deu seu rosto para qualquer tipo de propaganda”, diz.

“Não há dúvidas de que há captação da imagem de usuários, sem o seu consentime­nto para fins comerciais que beneficiam a ré e a empresa por ela contratada Patrícia Martins Conceição juíza, em sua decisão

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