Inep fez minuta sobre fraude no Enade, mas não enviou para a PF
Deputados querem convocar ministro Milton Ribeiro para esclarecer o caso; MEC nega interferência na investigação
brasília As primeiras evidências de materialidade sobre a denúncia de fraude no Enade 2019 na Unifil (Centro Universitário Filadélfia) fizeram com que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) preparasse, em julho de 2020, uma minuta de ofício para encaminhar o caso à Polícia Federal. Entretanto, o documento nunca saiu do órgão.
Como a Folha revelou nesta segunda-feira (10), o ministro Milton Ribeiro (Educação) atuou nos bastidores a favor da instituição de Londrina (PR). O centro é presbiteriano, assim como o ministro, que é pastor.
O MEC refuta que tenha havido protelamento das investigações. Quando a minuta foi elaborada, a pasta estava sem titular. Ribeiro foi nomeado no dia 10 de julho para substituir Abraham Weintraub, depois que a indicação de Carlos Alberto Decotelli para o cargo não vingou por inconsistências no currículo.
A fraude teria ocorrido no curso de biomedicina da Unifil, a partir do vazamento da avaliação do ensino superior. A coordenadora da graduação teve acesso antecipado à prova porque participou da comissão que a elabora.
O ministro tratou do caso pessoalmente logo depois que assumiu o cargo: protelou o envio do caso à PF, recebeu os controladores da instituição, viajou duas vezes a Londrina no meio do processo e determinou que seu próprio secretário acompanhasse uma visita de supervisão —que absolveu a instituição.
Ele ainda teria ameaçado demitir quem no Inep mandasse o caso à PF. Em fevereiro, Alexandre Lopes acabou demitido da presidência do órgão, e Danilo Dupas Ribeiro, que era secretário de Regulação e visitou a Unifil, foi nomeado para o cargo.
A minuta do ofício foi assinada eletronicamente por Moaci Alves Carneiro, ex-diretor de Avaliação de Ensino Superior do instituto, mas não chegou a ser assinada pelo então presidente Alexandre Lopes.
“A administração pública tem o dever de informar as autoridades competentes, em caso de denúncia de irregularidades”, diz a minuta.
Em nota, o MEC (Ministério da Educação) afirmou que um ofício do Inep teria sido enviado à PF no dia 8 de julho, data em que Carneiro o assinou. Mas não há registros sobre esse envio no órgão.
A procuradoria do Inep reforçou nos meses seguintes a necessidade de levar o caso à esfera criminal.
Questionada, a Polícia Federal afirmou que não consta de seus registros o recebimento do documento. Inep e MEC foram procurados novamente, mas não responderam —a pasta diz que o processo seguiu os ritos técnicos.
Um ofício só foi levado à Polícia Federal em fevereiro deste ano, após o MEC ter encerrado a investigação de forma favorável à Unifil. Evidências estatísticas da fraude, apuradas pelo Inep, foram ignoradas na decisão.
A apuração do Inep concluiu que era estatisticamente improvável o desempenho do curso de biomedicina da Unifil. Em algumas questões, todos os estudantes gabaritaram, enquanto o nível de acerto não chegou a 40% nos cursos com nota máxima.
Também não consta dos registros do processo no MEC qualquer deliberação da consultoria jurídica da pasta, o que seria esperado, uma vez que a procuradoria do Inep se manifestara.
Uma integrante dessa área estava presente na reunião, fora da agenda, que Ribeiro convocou no dia 23 de novembro sob o título “ENADUNIFIL (Biomedicina) [sic]”.
O caso ganhou repercussão no Congresso. Como o MEC se recusou a disponibilizar à reportagem o ofício encaminhado à PF, o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) fez um requerimento ao governo exigindo acesso ao documento.
Os deputados Bacelar (Pode-BA) e Danilo Cabral (PSBPE) preparam requerimentos para convocar o ministro a prestar esclarecimentos sobre o caso na Comissão de Educação da Câmara. O colegiado avaliará os pedidos nesta quarta-feira (12).
Em nota, o MEC “refuta as informações de que houve protelamento em investigações” e diz que não houve qualquer interferência no trabalho técnico realizado.
“Em meados de janeiro, os resultados dos trabalhos administrativos já se encontravam finalizados para análise das instâncias superiores da Secretaria de Regulação. Importante destacar que os indícios de fraude não foram comprovados na apuração administrativa”, afirma o texto, que não detalha como as evidências estatísticas do Inep sobre a fraude foram refutadas.
A pasta afirma que encaminhou todo o processo referente ao caso em fevereiro à PF.
“O Ministério da Educação age dentro dos princípios constitucionais da impessoalidade e legalidade”, diz a nota da pasta. O texto não explica, no entanto, por que o ministro esteve na Unifil e por que o então secretário de Regulação, atual presidente do Inep, participou pessoalmente de auditoria na instituição.
“A administração pública tem o dever de informar as autoridades competentes, em caso de denúncia de irregularidades Minuta do Inep sobre as suspeitas de fraude no Enade