Josué Guimarães chefiou sucursal em Porto Alegre e criticou ditadura em artigos na Folha
porto alegre Depois de ler na Folha uma crônica crítica à ditadura, Sergius Gonzaga perguntou ao autor, Josué Guimarães, se não tinha medo. “Tenho”, respondeu o jornalista e escritor. “Mas, na escrita, penso no que ocorre no país e venço meus temores.”
Para Gonzaga, professor do departamento de Letras da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Josué “era capaz de levar os ouvintes ao paroxismo do riso ou à emoção mais candente”.
Josué havia dirigido a Agência Nacional no governo João Goulart (1961-1964) e foi correspondente da revista O Cruzeiro no Sul. Também passou pelos Diários Associados e foi um dos primeiros jornalistas a entrar na então URSS e na China, escrevendo para a Última Hora.
Quando voltou de Portugal, implantou a sucursal da Folha na capital gaúcha, que dirigiu, e de onde escreveu colunas, ensaios, ficção e reportagens, até a morte em 1986.
“Ele escrevia o que tinha que escrever, independente de crítica”, afirma um dos filhos, Jaime Guimarães.
Dizia que a ditadura empobreceu o país civicamente. Em coluna de 1977, sobre reabertura, escreveu: “Todos, mas todos mesmo, querem o retorno do país ao Estado de Direito, sem entrelinhas, sem alterações do nome do AI-5, com eleições diretas, livres, secretas e universais, querem o ‘habeas corpus’, a representatividade real do povo, enfim querem um país que retorne a viver dentro de uma Constituição que mereça este nome”.
Josué viveu clandestino no Brasil depois de 1964, ficou anos sem ver os quatro filhos e se afastou do jornalismo. Trabalhou em uma livraria em Santos, usando o nome de Samuel Ortiz, e respondeu a cinco inquéritos em liberdade.
Mesmo com o fim da ditadura, Josué seguiu crítico. Abordou racismo, como na coluna sobre a vez em que a jornalista Glória Maria foi barrada em hotel. “Há no Brasil um racismo descarado, aberto, indiferente às leis e às autoridades.”
Adriana Guimarães cresceu vendo o pai aliar os escritos jornalísticos à literatura nas páginas com a logo da Folha, em vermelho. “Tenho bilhetes, cartas do Josué escritos nas laudas da Folha”, recorda Deonísio da Silva, escritor e amigo.
Josué ingressou na literatura aos 49 anos, mas logo se tornou um nome reconhecido, com obras como Tambores Silenciosos (1977).
“O elemento comum entre ambos [jornalismo e literatura] é a urgência, a necessidade de expressão e enfrentamento de um problema e junto com isso denúncia. A função dele era o uso da palavra para desvelar a ordem injusta em que a gente se encontra”, diz Miguel Rettemaier, coordenador do Acervo Literário Josué Guimarães, na UPF (Universidade de Passo Fundo).
Em 1978, Josué foi entrevistado no jornal sobre o lançamento de seu “Dona Anja”.
“Escrevo para os brasileiros que em geral não leem muito. Mas é pensando neles que escrevo e, na verdade, o que me leva a escrever são justamente os problemas políticos e sociais da nossa gente”,afirmou.