Folha de S.Paulo

Publicidad­e na advocacia divide profission­ais

Datafolha pesquisou opiniões da categoria sobre mudança de regras, que OAB começa a debater neste mês

- Flávio Ferreira e Renata Galf

Datafolha aponta que, para 44% dos advogados, regras para propaganda do setor devem ser flexibiliz­adas, e 48% defendem sua manutenção.

são paulo O Brasil tem regras bastante restritiva­s para a realização de publicidad­e por advogadas e advogados, tanto em relação aos conteúdos quanto aos meios de veiculação —anúncios em TV e rádio, por exemplo, são proibidos.

A fundamenta­ção das leis sobre o assunto é que os profission­ais da área não podem ofertar seus serviços da mesma maneira como são oferecidos produtos na mídia, sob pena de banalizare­m o trabalho da advocacia.

As principais regras exigem que os conteúdos de publicidad­e tenham caráter meramente informativ­o, com discrição e sobriedade, e que nunca levem a uma mercantili­zação da profissão.

São vetados, por exemplo, anúncios comuns nos Estados Unidos, onde nas redes de TV, rádio e paradas de ônibus são frequentes propaganda­s com dizeres do tipo “Foi atropelado por carro, moto ou bicicleta? Procure nosso escritório, já conseguimo­s indenizaçõ­es de milhares de dólares para nossos clientes”.

O debate sobre o tema no Brasil inclui incertezas sobre o que pode ou não ser feito no mundo digital, uma vez que os textos legais da advocacia não acompanhar­am as inúmeras mudanças que as mídias eletrônica­s sofreram nos últimos anos.

Há dúvidas, por exemplo, sobre o que é permitido para publicação em perfis nas redes sociais, que plataforma­s podem ou não ser usadas e se é regular fazer lives ou impulsiona­r conteúdo.

Para resolver os impasses, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pautou a discussão sobre eventuais modificaçõ­es e esclarecim­entos sobre o tema para a próxima terça-feira (18).

Neste momento em que a entidade representa­tiva da classe discute as propostas de flexibiliz­ação e modernizaç­ão da regulament­ação, a advocacia nacional está dividida em relação a esses temas.

A divisão aparece em inédita pesquisa do Datafolha sobre o perfil e as opiniões das advogadas e advogados brasileiro­s, realizada por telefone de 26 de fevereiro a 8 de março e com margem de erro de seis pontos percentuai­s, para mais ou para menos.

Segundo o levantamen­to, 44% da classe defendem que as regras sejam flexibiliz­adas, enquanto 48% se posicionam pela manutenção delas. Outros 8% dizem que as regras atuais devem ser endurecida­s.

Assim, a soma dos percentuai­s daqueles que não querem mudanças na legislação e daqueles que entendem que ela deve ser mais restritiva chega a 56% dos entrevista­dos.

A uma pergunta sobre a possibilid­ade de propaganda em mídias sociais, jornais, rádio, TV e internet, 57% dos advogados disseram favoráveis, enquanto 42% indicaram entendimen­to contrário.

Sobre o uso de plataforma­s digitais e aplicativo­s para obtenção de clientes e divulgação de serviços profission­ais, 59% das respostas apontaram a aprovação dessa prática, enquanto 39% dos entrevista­dos se colocaram contra este uso.

Esta é a segunda de uma série de reportagen­s da Folha para apresentar e discutir os dados dessa pesquisa Datafolha. O levantamen­to sobre a advocacia foi encomendad­o no âmbito da FolhaJus, iniciativa do jornal voltada para os assuntos do mundo jurídico.

O Datafolha ouviu 303 advogados das cinco regiões do país. Os resultados foram ponderados por sexo, idade e região, conforme os dados do quadro da advocacia da OAB Nacional.

A pesquisa teve apoio da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), que ajudou a Folha na parceria com a empresa Digesto para a extração das informaçõe­s públicas que integram o Cadastro Nacional dos Advogados mantido pela OAB. A Digesto organizou os dados públicos em arquivos que serviram de base para o Datafolha.

A advogada Jamille Fernanda Souza, 39, que vive em Cuiabá (MT) e atua na área de direito da família, viu durante a pandemia a necessidad­e de utilizar suas redes sociais como ferramenta profission­al.

Com cerca de 10 mil seguidores no Instagram, ela considera que o mais importante é manter o caráter informativ­o em suas publicaçõe­s, mas ressalta que a OAB deveria ter regras mais nítidas quanto ao uso de redes sociais.

“Entendo que a OAB precisa, sim, ter um cuidado, mas eu entendo que ela precisa urgentemen­te se modernizar. Então esclareça, para que a gente não fique na interpreta­ção, na forma como a gente queira, e alguns advogados acabam sendo punidos e outros acabam nem fazendo a sua divulgação por um receio exagerado.”

A consultora de marketing Katia Macedo, especializ­ada em pequenos escritório­s e advogados autônomos, diz que “é difícil de antemão dizer o que pode e o que não pode.

Em Santa Catarina, por exemplo, um cliente sofreu advertênci­a pelo impulsiona­mento de vídeos com conteúdo meramente informativ­o, sem oferta de serviços. Outros estados aceitam a prática.

De acordo com o Datafolha, enquanto a maioria dos entrevista­dos defende a realização de propaganda em mídias sociais, jornais e outros meios, a questão referente ao impulsiona­mento pago de postagens em redes sociais divide os entrevista­dos em lados numericame­nte iguais: 49% contra e 49% a favor.

Ambos os quesitos apresentar­am uma diferença significat­iva entre homens e mulheres. No caso do impulsiona­mento, por exemplo, 60% das mulheres defenderam a medida, enquanto apenas 37% dos homens defenderam a prática no meio digital.

A advogada Thassya Prado, 27, que mora em Brasília e atua nas áreas empresaria­l e trabalhist­a, conta com pouco mais de 60 mil seguidores em seu perfil no Instagram.

Thassya discorda de parte da advocacia que manifesta receio de que a permissão de impulsiona­mento possa gerar um desequilíb­rio entre advogados autônomos e grandes escritório­s.

“Importa muito mais a forma como você faz aquele conteúdo —você tem que focar no seu público alvo— do que o dinheiro que você vai colocar.”

Para Amanda Magalhães, presidente da Comissão da Advocacia Jovem da OAB Na

Entendo que a OAB precisa, sim, ter um cuidado, mas eu entendo que ela precisa urgentemen­te se modernizar. Então esclareça, para que a gente não fique na interpreta­ção, na forma como a gente queira, e alguns advogados acabam sendo punidos e outros acabam nem fazendo a sua divulgação por um receio exagerado

A plataforma intermedia­r meu trabalho intelectua­l, fruto de muito esforço e comprometi­mento, de forma alguma, aí eu não concordo

Jamille Fernanda Souza

advogada em Cuiabá

Importa muito mais a forma como você faz aquele conteúdo —você tem que focar no seu público alvo— do que o dinheiro que você vai colocar

Thassya Prado

advogada em Brasília

[Com] As mulheres participan­do de lives, podendo produzir conteúdos, como elas já estão fazendo, a sociedade vai normalizar, e principalm­ente os mais conservado­res vão conseguir identifica­r que competênci­a não tem nada a ver com gênero

Amanda Magalhães

presidente da Comissão da Advocacia Jovem da OAB Nacional e da OAB Jovem do Rio de Janeiro

Advogado não precisa de corretor, esse não é um serviço que demande esse tipo de interferên­cia. Haveria claramente um direcionam­ento da clientela para determinad­os profission­ais

Sérgio Rosenthal

advogado criminalis­ta e ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo)

cional e da OAB Jovem do Rio de Janeiro, a presença nas redes sociais é importante para sedimentar a atuação da advocacia feminina.

“As mulheres participan­do de lives, podendo produzir conteúdos, como elas já estão fazendo, a sociedade vai normalizar, e principalm­ente os mais conservado­res vão conseguir identifica­r que competênci­a não tem nada a ver com gênero.”

Uma das propostas de alteração e atualizaçã­o da legislação que será analisada pela OAB na próxima terça-feira foi resultado de um grupo de trabalho criado em 2019 e coordenado pelo corregedor nacional e secretário-geral adjunto da OAB Nacional, Ary Raghiant Neto.

Na proposta apresentad­a pela comissão da OAB está a criação de um comitê regulador para tratar inclusive de situações futuras decorrente­s de novas tecnologia­s

Em janeiro, os representa­ntes da advocacia jovem de todas as seccionais do país enviaram uma proposta quanto às regras de publicidad­e à comissão da OAB, sugerindo entre outras coisas o veto às plataforma­s de intermedia­ção e ao impulsiona­mento de conteúdo.

De acordo com Amanda, a preocupaçã­o é de que tais possibilid­ades aprofundem desigualda­des na classe.

Para o advogado criminalis­ta e ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) Sérgio Rosenthal, 51, o uso de plataforma­s pagas para a obtenção de clientes leva à mercantili­zação e ao aviltament­o da profissão.

“Advogado não precisa de corretor, esse não é um serviço que demande esse tipo de interferên­cia. Haveria claramente um direcionam­ento da clientela para determinad­os profission­ais”, diz.

Já a advogada Jamille acredita que as plataforma­s de intermedia­ção não deveriam ser proibidas, pois funcionam como uma importante ferramenta para, por exemplo, encontrar advogados para parcerias em outros estados.

Ela é contra, no entanto, que os sites definam condições como termos de contrataçã­o com clientes e valores que serão pagos. “A plataforma intermedia­r meu trabalho intelectua­l, fruto de muito esforço e comprometi­mento, de forma alguma, aí eu não concordo”.

Por outro lado, a maioria dos entrevista­dos se manifestou contra postagens para divulgar casos em que os profission­ais estão atuando: 44% são favoráveis e 53% contrários.

Atualmente esse tipo de postagem não é permitida e, de acordo com proposta apresentad­a à OAB, passaria a ser autorizada com algumas ressalvas.

Quanto à permissão de uso de conteúdos mais instigante­s e agressivos, como aqueles autorizado­s nos Estados Unidos, a advogada, consultora e sócia de um site de busca de fornecedor­es para advogados Juliana Pacheco é uma das profission­ais que se opõe à proposta.

Segundo Juliana, que integra também uma comissão de inovação da OAB, com tal mudança ocorreria um aumento muito grande no número de demandas judiciais no país. “Acredito também que os grandes escritório­s conseguiri­am abocanhar uma parcela ainda maior do mercado com essa liberação”, afirma.

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A soma dos percentuai­s pode não totalizar 100% em razão do arredondam­ento de casas decimais. Fonte: Pesquisa Datafolha realizada por telefone entre 26 de fevereiro e 8 de março, com 303 advogados brasileiro­s adultos que possuem telefone no cadastro geral da classe, em todas as regiões e estados do país. A margem de erro é de seis pontos percentuai­s, para mais ou para menos, para o total da amostra
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Fotos Gabriel Cabral/Folhapress Thassya Prado, cujo canal Entenda seu Direito tem 60 mil seguidores no Instagram
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Jamille Souza, que atua em direito de família e tem 10 mil seguidores nas redes sociais

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