Carta da Pfizer ficou parada 2 meses, declara Wajngarten
Em sessão tumultuada, Flávio Bolsonaro chama o relator, Renan, de vagabundo
Em depoimento tumultuado à CPI da Covid, o exsecretário Fabio Wajngarten (Comunicação da Presidência) admitiu que a carta em que a Pfizer oferecia negociar doses ao Brasil ficou parada por ao menos dois meses no governo. Ele ainda foi acusado de ter mentido à comissão, o que levou Renan Calheiros (MDB-AL) a solicitar sua prisão. O pedido não foi acatado.
BRASÍLIA Em um depoimento tumultuado e marcado por xingamentos, nesta quartafeira (12), o ex-secretário Fabio Wajngarten (Comunicação da Presidência) se esquivou de perguntas, chegou a ser alvo de um pedido de prisão e admitiu que a carta em que a Pfizer oferecia negociar doses de vacina para o Brasil ficou parada por ao menos dois meses no governo federal.
Ao longo da oitiva, Wajngarten foi acusado de contradições e de ter mentido à CPI, o que levou o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), a pedir a prisão do ex-secretário.
O senador teve o apoio de outros parlamentares, como Humberto Costa (PT-PE) e o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), no entanto, disse que não prenderia o depoente —a decisão cabe a ele— e que não é “carcereiro de ninguém”.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chegou a chamar Renan de vagabundo. “Imagina um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como o Renan”, disse o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A sessão foi suspensa logo após, também em decorrência de votação no Senado.
Renan respondeu, ainda durante a sessão, que Flávio era um moleque. “Vagabundo é você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”, disse o relator, em referência ao suposto esquema da rachadinha no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio.
Após a sessão, Renan disse que não iria ao Conselho de Ética contra o filho do presidente por não querer “se misturar com essa gente”. Outros senadores chamaram Flávio de miliciano.
Parlamentares avaliam que o relator sabia que o presidente da CPI não cumpriria a prisão, mas decidiu pedi-la para marcar posição e alertar os próximos depoentes.
Já o xingamento de Flávio foi encarado como um gesto desesperado do Planalto, que teria pedido a interferência dele para tumultuar a CPI.
Na noite desta quarta, Jair Bolsonaro postou vídeo com trecho da participação de Flávio, seu filho 01, na discussão com Renan. “Com mais de 10 inquéritos no STF, Renan tem moral para querer prender alguém?”, escreveu o presidente. Planalto e aliados de Bolsonaro
tentaram evitar que o senador alagoano estivesse à frente da relatoria.
Durante a sessão, Renan afirmou que Wajngarten incriminou Bolsonaro e confirmou a existência de um ministério paralelo de aconselhamento ao presidente durante a pandemia, fora da estrutura do Ministério da Saúde.
“Vossa Excelência é a prova da existência dessa consultoria, é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como secretário de Comunicação e se dizendo em nome do presidente; é a prova da existência disso”, disse o senador.
Renan centrou boa parte das questões que fez em elementos levantados pelo próprio Wajngarten em entrevista à Veja. À revista o ex-auxiliar de Bolsonaro afirmou que entrou em contato com a Pfizer após saber que o laboratório tinha enviado carta ao governo para abrir negociação e ficara sem resposta.
Wajngarten trabalhou como secretário de Comunicação no governo até março deste ano. Nesta quarta, ele negou que tenha negociado com a Pfizer, dizendo que apenas “construiu atalhos” para isso e se esquivou de responder a diversas perguntas a respeito da gestão de Pazuello e da conduta de Bolsonaro.
O ex-secretário afirmou que a carta enviada pela Pfizer permaneceu dois meses sem resposta do governo federal. Segundo ele, foi enviada em 12 de setembro de 2020, e não houve resposta até 9 de novembro do mesmo ano.
A carta teria sido enviada ao presidente Bolsonaro, ao vicepresidente, Hamilton Mourão, ao ministro Paulo Guedes (Economia), ao então ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Ciente da ausência de resposta, Wajngarten disse que levou a carta a Bolsonaro e a respondeu em novembro. Disse ter recebido no mesmo dia telefonema do então presidente da Pfizer, Carlos Murillo.
O ex-secretário afirmou que entrou nas discussões a pedido do dono de um veículo de comunicação. No entanto, posteriormente, Wajngarten afirmou que nunca participou das discussões.
Ele disse que a proposta inicial da empresa abordava inicialmente “irrisórias” 500 mil doses de vacinas. Carta da Pfizer mencionada no depoimento por Wajngarten afirma que as imunizações poderiam “proteger milhões de brasileiros”.
O documento é assinado pelo diretor-executivo da Pfizer mundial, Albert Bourla. O dirigente da empresa afirma que se reuniu com representantes do Ministério da Saúde e da Economia, além de representantes da embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
O ex-secretário de Comunicação da Presidência atribuiu a “incompetência e ineficiência” que o contrato não tenha sido assinado em setembro de 2020. Questionado pela Veja se estava se referindo ao ex-ministro Eduardo Pazuello, Wajngarten disse: “Estou me referindo à equipe que gerenciava o Ministério da Saúde nesse período”.
Na CPI, Renan perguntou se Wajngarten considerava o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incompetente. Ele tergiversou e o relator disse que ele havia feito a afirmação à revista Veja. “Não chamei. A revista não diz isso e eu não chamei”, respondeu.
Aziz, irritado com a postura do ex-secretário, rebateu. “Vossa Excelência está confiando em quê, meu amigo? A gente se sente protegido quando tem um poder por trás da gente, depois a gente fica abandonado. Estou dando um conselho. Seja objetivo.”
A sessão chegou a ser suspensa e, depois de reiniciada, Aziz ameaçou dispensar o depoente da comissão na condição de testemunha e então reconvocá-lo como investigado.
Os membros da CPI afirmaram que o ex-secretário não estava sendo objetivo quando questionado sobre suas declarações à revista Veja.
O presidente da comissão e Renan chegaram a chamar o ex-secretário de mentiroso.
“Eu queria dizer que vou cobrar a revista Veja: se ele não mentiu, que ela se retrate a ele; e, se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente, apenas para dizer isso e para não dizerem que nós não estamos tratando a coisa com a seriedade que essa investigação requer”, disse Renan.
Ao final da sessão, Aziz encaminhou o depoimento do ex-secretário ao Ministério Público Federal para apurar crime de falso testemunho.
Em nota, a defesa de Wajngarten disse que ele “respondeu a todos os questionamentos que lhe foram formulados, sem esconder ou omitir informações”. “Jamais faltou com a verdade! E nem teve a intenção de fazê-lo”, acrescentou.
Em outro momento, Renan perguntou a Wajngarten qual teria sido o impacto de declarações negacionistas de Bolsonaro. O depoente respondeu: “Pergunte a ele”. Senadores protestaram e chamaram a fala de desrespeitosa.
O ex-secretário afirmou ainda que é equivocada a impressão de que o governo não efetuou comunicação durante a pandemia. Por outro lado, reconheceu que grande parte dessas campanhas foram relativas a questões econômicas.
Ele também disse não ter certeza se foi da Secom a campanha lançada em março do ano passado intitulada “O Brasil não pode parar”, que pregava contra o isolamento social.
“Eu não tenho certeza se ele é de autoria, de assinatura, da Secom. Circulou de forma orgânica”, disse ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O vídeo da campanha foi divulgado em redes sociais e depois proibido por ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em seguida o senador Humberto Costa (PT-PE) repetiu a pergunta e lembrou que no dia seguinte à divulgação de um dos vídeos a própria Secretaria de Comunicação da Presidência, chefiada à época por Wajngarten, emitiu nota assumindo a responsabilidade pelo vídeo, que era uma “campanha experimental”.
“Vossa excelência está confiando em quê, meu amigo? A gente se sente protegido quando tem um poder por trás da gente, depois a gente fica abandonado. Estou dando um conselho. Seja objetivo
Omar Aziz (PSD-AM) presidente da CPI, a Fabio Wajngarten
“A minha atitude foi republicana e no intuito de ajudar [na negociação com a Pfizer]... Busquei o presidente Bolsonaro na busca de uma solução rápida
Fabio Wajngarten ex-secretário de Comunicação da Presidência, à CPI
“Ele [Wajngarten] disse desconhecer a existência [de um ministério paralelo], mas é o contrário: vossa excelência é a prova da existência dessa consultoria, é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como secretário de Comunicação e se dizendo em nome do presidente; é a prova da existência disso
Se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente
Renan Calheiros senador (MDB-AL) e relator da CPI
“Imagina a situação. Um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como o Renan Calheiros. Olha a desmoralização. Estão perdendo a visão do todo
Flávio Bolsonaro senador (Republicanos-RJ), na CPI, provocando a suspensão da sessão