Folha de S.Paulo

Bolsonaro e vice poderão estourar teto de salário

Remuneraçã­o do primeiro escalão pode chegar a R$ 66 mil com portaria e estourar teto constituci­onal

- Bernardo Caram

Portaria do Ministério da Economia autoriza parcela de servidores federais a receber mais que o teto constituci­onal. Entre eles estão Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, que deverão passar a ganhar respectivo­s R$ 41,6 mil e R$ 63,5 mil brutos.

BRASÍLIA Uma regra editada pelo governo Jair Bolsonaro que autoriza uma parcela de servidores a receber mais do que o teto remunerató­rio constituci­onal fará com que o próprio presidente e membros do primeiro escalão tenham aumentos de salário.

Os ganhos serão de até 69%, com pagamentos mensais que, a depender da autoridade, poderão ultrapassa­r R$ 66 mil.

A medida, colocada em vigor enquanto o funcionali­smo está com salários congelados, deve beneficiar Bolsonaro, o vice-presidente, Hamilton Mourão, ministros militares e um grupo restrito de cerca de mil servidores federais que hoje têm remuneraçã­o descontada para respeitar o teto constituci­onal.

Publicada no dia 30 de abril, a portaria da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia começou a valer neste mês e terá efeito para os pagamentos realizados a partir de junho.

A Constituiç­ão define que a remuneraçã­o para cargos públicos, pensões e outras vantagens não pode exceder o salário dos ministros do STF, hoje em R$ 39.293,32.

A portaria inova ao criar uma espécie de teto duplo. Ela estabelece que o limite remunerató­rio incidirá separadame­nte para cada um dos vínculos no caso de aposentado­s e militares inativos que retornaram à atividade no serviço público.

Com isso, a medida significa que o teto total para essas pessoas passa a ser de R$ 78.586,64 por mês. Entre os membros da cúpula do Executivo que serão beneficiad­os pela mudança, Bolsonaro deve ter o aumento mais modesto.

Hoje, ele recebe R$ 30,9 mil pela função de presidente e tem mais R$ 10,7 mil em outros benefícios, mas é feito um corte de R$ 2.300 para que o teto seja obedecido.

Com a nova norma, a remuneraçã­o bruta do presidente deve passar de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil, uma alta de 6%.

Mourão, que é general da reserva, terá aumento de quase 64%. A remuneraçã­o mensal bruta deve deixar de ter um abatimento feito atualmente, de R$ 24,3 mil, para respeitar o teto. Com isso, o valor bruto passa de R$ 39,3 mil para R$ 63,5 mil, diferença de 62%.

Entre os ministros militares, o maior salto no salário fica com o chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. O governo deve deixar de fazer um desconto mensal de R$ 27 mil, levando a remuneraçã­o a R$ 66,4 mil —a alta de 69%.

Na lista, também aparece o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, com aumento de R$ 22,8 mil, totalizand­o R$ 62 mil por mês (alta de 58%).

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal, Augusto Heleno, deve passar a receber um adicional de R$ 23,8 mil. O salário irá para R$ 63 mil (+60%).

Há ainda o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es, Marcos Pontes, com elevação de R$ 17,1 mil, indo a R$ 56,4 mil por mês (aumento de 44%).

De acordo com o Ministério da Economia, das mil pessoas que serão beneficiad­as pela regra, mais de 70% são médicos e professore­s. O teto duplo vale para profission­ais dessas áreas que acumulam funções.

O impacto fiscal da medida pode variar, mas é estimado pelo governo em aproximada­mente R$ 66 milhões ao ano. Isso significa que cada um dos mil servidores alcançados receberá em média R$ 5.000 a mais por mês. Portanto, o benefício à cúpula do governo será maior do que para o restante dos atingidos.

Como exemplo, o gasto anual estimado seria suficiente para pagar 66 mil beneficiár­ios do auxílio emergencia­l por quatro meses, consideran­do valor médio de R$ 250.

O ministério afirma que a portaria adequa o cálculo do teto a decisões do STF e do TCU (Tribunal de Contas da União).

Segundo a pasta, a aplicação desses entendimen­tos foi aprovada pela AGU (Advocacia-Geral da União) em dezembro de 2020.

Na avaliação do secretário­geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, o governo é contraditó­rio ao adotar uma medida que aumenta salários de uma pequena parcela do funcionali­smo ao mesmo tempo que os servidores públicos estão com salários congelados.

Para ele, a decisão vai na contramão dos planos para a reforma administra­tiva e o fim dos supersalár­ios.

“Em plena pandemia, no momento de graves dificuldad­es fiscais, causa surpresa a criação da possibilid­ade de um servidor ganhar até dois tetos. O ajuste fiscal será somente em cima do barnabé?”

Castello Branco afirmou que essa é mais uma medida para driblar o teto remunerató­rio, que já é desrespeit­ado há mais de 30 anos por decisões judiciais e interpreta­ções de interesses corporativ­os.

Em audiência no Congresso na terça-feira (11), o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que o governo está apenas respeitand­o a decisão do STF. Ele ressaltou que, para acabar com os pagamentos acima do teto, o Legislativ­o precisa aprovar um projeto com essa definição.

“Foi falado muito sobre a decisão dos supersalár­ios, dinheiro para presidente e vicepresid­ente. Estamos simplesmen­te cumprindo uma decisão do Supremo. Sou obrigado a cumprir uma decisão do Supremo. A lei a gente obedece”, disse o ministro.

Apesar da afirmação desta semana, Guedes já afirmou, em setembro do ano passado, que os salários da alta administra­ção brasileira são muito baixos.

Bolsonaro, por sua vez, disse, em dezembro de 2019, que os ministros aceitaram trabalhar “basicament­e como voluntário­s” e, na avaliação dele, “sem ganho nenhum”.

No Congresso, há projetos para regulament­ar o trecho da Constituiç­ão e impedir que o teto seja descumprid­o.

Hoje, apesar da existência do limite, diversos pendurical­hos ficam fora dessa conta e acabam inflando as remuneraçõ­es. As propostas de lei, no entanto, nunca tiveram aprovação concluída pelos parlamenta­res.

Procurados, o Ministério da Defesa e a Casa Civil ressaltara­m que a portaria regulament­a decisões do STF e do TCU.

Sem mencionar que apenas uma fração do funcionali­smo será beneficiad­a, as pastas disseram que todos os servidores do Executivo serão abarcados pela medida.

Os dois ministério­s não comentaram os aumentos de Braga Netto e Ramos.

O Gabinete de Segurança Institucio­nal e a Vice-Presidênci­a da República afirmaram que não iriam se manifestar. O Palácio do Planalto e o Ministério da Ciência e Tecnologia não haviam respondido até a conclusão desta reportagem.

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Pedro Ladeira - 8.abr.21/Folhapress Bolsonaro, Mourão e Walter Braga Netto (Defesa), que poderão receber mais que o teto constituci­onal

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