Pandemia era evitável, conclui painel da OMS
Órgão divulga relatório final sobre erros dos países na resposta ao coronavírus e recomenda suspensão de patentes de vacinas
A pandemia de Covid-19 é um desastre evitável, segundo o Painel Independente para Prevenção e Resposta, que divulgou nesta quarta-feira (12) relatório final em que avalia a reação à pandemia de Covid-19 e as lições aprendidas.
“Nosso painel acredita que (a pandemia) é um desastre que poderia ter sido evitado”, disse Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia e co-líder do painel independente criado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
“Depois da declaração (de emergência de saúde pública) em 30 de janeiro [de 2020], fevereiro foi um mês de oportunidades perdidas para evitar a pandemia, porque muitos países decidiram esperar para ver, em vez de adotar medidas mais firmes para conter o vírus”, disse Clark.
O painel de 13 membros, liderado também por Ellen Johnson Sirleaf, passou oito meses examinando informações para determinar como um surto se transformou em pandemia e como foram as respostas nacionais e global. Chegou à conclusão de que a OMS demorou demais para declarar emergência de saúde pública e que a entidade e vários países não implementaram medidas de contenção da doença na velocidade necessária.
Contribuiu para isso a falta de transparência do governo da China, onde os primeiros casos de Covid foram registrados em dezembro de 2019, mas só foram informados oficialmente às autoridades sanitárias internacionais no início de janeiro. Foi só em 20 de janeiro de 2020 que a China permitiu que uma missão da OMS fosse a Wuhan.
“Se tivéssemos reagido mais rápido, se a China tivesse sido mais transparente no início, a OMS tivesse declarado emergência algumas semanas antes, suspendido viagens internacionais, recomendado uso de máscaras antes, teríamos salvado milhões de vidas”, disseà Folha o ex-ministro de Finanças da Colômbia Mauricio Cárdenas, membro do painel.
O painel também faz recomendações de medidas a serem adotadas com urgência. Segundo o relatório, países desenvolvidos e grandes indústrias farmacêuticas deveriam fazer licenciamento voluntário e transferência de tecnologia de vacinas contra Covid-19 para que nações em desenvolvimento possam começar a fabricar os imunizantes. Caso isso não ocorra nos próximos três meses, deve ser determinada suspensão imediata das patentes reguladas pelo Acordo Trips da Organização Mundial de Comércio (OMC).
O painel afirma também que países ricos como EUA, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, que compraram muito mais vacinas do que precisam para imunizar suas populações, devem direcionar ao consórcio Covax, com urgência, 1 bilhão de doses até setembro de 2021.
O Covax é o consórcio formado para distribuir vacinas para países de renda média e baixa que não conseguiram fazer acordos para comprar um número suficiente de imunizantes. O consórcio já admitiu a impossibilidade de cumprir a meta de distribuir 2,4 bilhões de doses neste ano.
O painel recomenda que governos adotem imediatamente medidas de saúde pública com eficácia contra a Covid comprovadas pela ciência, como distanciamento e uso de máscaras, porque a vacinegaram nação sozinha não derrotará a pandemia sozinha.
Para que as medidas de saúde pública funcionem, diz o relatório, é preciso oferecer auxílio financeiro às populações vulneráveis, que perderam o emprego durante a crise provocada pela pandemia ou não podem trabalhar por causa do distanciamento social.
Segundo Cárdenas, o Brasil foi extremamente bem-sucedido no auxílio econômico durante a pandemia, com um programa de transferência de recursos (auxílio emergencial) que atingiu “uma quantidade impressionante de pessoas”. “No entanto, se um país ajuda financeiramente a população, mas ignora os aspectos de saúde pública, não vai resolver o problema”, disse.
Para ele, o governo do Brasil “reagiu à pandemia de forma lenta, ignorou evidências científicas e demorou para perceber que a doença era grave”. “As consequências são visíveis, em números de casos e de mortes”, disse.
Segundo o relatório, os países bem-sucedidos no enfrentamento da pandemia são aqueles que não negaram a gravidade da doença, tinham lideranças que coordenaram os esforços com governos locais, usaram evidências científicas, reagiram imediatamente, e, além disso, adotaram instrumentos fiscais para permitir que a população respeitasse as medidas de saúde pública. Exemplos positivos citados pelo relatório e por Cárdenas são o Uruguai, “uma exceção na América Latina”, Coreia do Sul, Singapura, China, Nova Zelândia, Vietnã e Tailândia.
Já os países que tiveram péssimos resultados no enfrentamento da pandemia usaram “abordagens descoordenadas que desvalorizaram a ciência, o impacto da pandemia, atrasaram a implementação de medidas e permitiram que a desconfiança minasse os esforços”.
Indagado sobre quais países seriam exemplos negativos no enfrentamento da Covid-19, Cárdenas afirmou: “Todo mundo sabe. E a América Latina tem um número desproporcional de maus exemplos (no combate à Covid).”
O Brasil é citado em anexo do relatório, ao lado de Nicarágua, EUA e Reino Unido, como um dos países que “não adotou medidas eficientes de controle, como distanciamento social, isolamento e quarentena”, o que teria se refletido em “um aumento rápido no número de casos e alta taxa de mortalidade”.
O texto destaca que a desigualdade no acesso a vacinas é um dos maiores desafios atuais. “Países de alta renda têm doses suficientes para cobrir 200% de suas populações, que obtiveram por meio de acordos bilaterais com as farmacêuticas. Nos países mais pobres, no momento em que esse relatório foi finalizado, menos de 1% da população havia recebido ao menos uma dose.”
Além disso, o painel afirma ser necessário desenvolver capacidade de produzir vacinas na América Latina e na África.
A indústria farmacêutica e países que se opõem à proposta de licenciamento das vacinas argumentam que não adianta suspender patentes, porque os países não vão conseguir produzir os imunizantes.
Segundo Cárdenas, para um país como Brasil, o licenciamento voluntário é particularmente importante. “O Brasil tem indústria farmacêutica, tem laboratórios e, com a devida assistência e acesso a tecnologia, pode produzir vacinas contra Covid.”