Folha de S.Paulo

Toffoli alterou voto e salvou prefeito em caso suspeito

Ministro refuta informaçõe­s sobre supostas declaraçõe­s de delator e diz que não recebeu valores ilegais

- Fabio Serapião e Camila Mattoso

O ministro do STF Dias Toffoli mudou seu voto em julgamento do TSE, em 2015, em processo no qual Sérgio Cabral o acusa de ter recebido pagamento ilegal. Antes a favor da cassação de Francisco Neto, de Volta Redonda (RJ), Toffoli o reabilitou. Ele nega irregulari­dade.

BRASÍLIA O ministro Dias Toffoli mudou seu voto em um julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2015, em um dos processos em que Sérgio Cabral diz que o magistrado vendeu sua decisão em troca de pagamentos ilegais.

Como mostrou o Painel, da Folha, na terça-feira (11), a PF solicitou ao Supremo Tribunal Federal a abertura de investigaç­ão para apurar as revelações do ex-governador.

Segundo Cabral, Toffoli recebeu R$ 4 milhões em troca de decisões favoráveis a dois prefeitos fluminense­s.

Desse valor total, diz o delator, R$ 3 milhões foram pagos para favorecer Antônio Francisco Neto (MDB), prefeito de Volta Redonda (RJ).

Os pagamentos ao ministro Dias Toffoli, diz Cabral, teriam sido operaciona­lizados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do Rio de Janeiro.

Braga foi secretário em Volta Redonda no primeiro mandato de Francisco Neto e é apontado como seu aliado político.

Ainda segundo o delator, os repasses tiveram o envolvimen­to do escritório da mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel.

Por meio de uma nota, o ministro Dias Toffoli disse refutar as informaçõe­s sobre as supostas declaraçõe­s do delator. Afirma reiterar que “jamais recebeu valores ilegais ou atuou para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções”. Ele disse também que, quanto ao mencionado processo, “a decisão respectiva foi proferida pela maioria do colegiado”.

Francisco Neto foi cassado em agosto de 2013 pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro por abuso de poder político e econômico. Ele teria veiculado propaganda em outdoors, no site da prefeitura e em placas espalhadas na cidade nos meses próximos à eleição, o que é proibido pela lei eleitoral.

Após a decisão contrária na instância estadual, o prefeito recorreu ao TSE, à época presidido por Toffoli.

O ministro, em 7 abril de 2015, votou contra um recurso especial apresentad­o pela defesa de Francisco Neto e desempatou o julgamento, mantendo a cassação do prefeito por 4 votos a 3.

Como mostra o vídeo da sessão de julgamento, Toffoli não leu seu voto e apenas indicou que acompanhar­ia a relatora Maria Thereza de Assis Moura pela manutenção da cassação.

Entretanto, dois meses depois, em 23 de junho, Toffoli mudou de posição quando o plenário do TSE analisava um embargo de declaração (espécie de recurso final da defesa) de Francisco Neto.

O ministro acatou um embargo de declaração apresentad­o pela defesa e desempatou novamente, mas em favor do prefeito.

“Estou entendendo que é o caso de reenquadra­mento e valoração das provas. E nesta revaloraçã­o eu considero que não houve o abuso”, disse em seu voto.

A mudança de posição de Toffoli chamou a atenção da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que pediu a palavra.

“Apenas o que eu já disse: nós, a meu ver, estamos ‘rejulgando’ o caso. Mas esta é a decisão do pleno, que eu aceito”, disse ela.

A surpresa da ministra se deu porque, em tese, os embargos de declaração não servem para reexaminar o mérito do julgamento.

Para o jurista e ex-desembarga­dor Wálter Fanganiell­o Maierovitc­h, não cabe o reexame ou revaloraçã­o de prova ou do mérito no âmbito de embargos de declaração.

Segundo ele, há jurisprudê­ncia no STF no sentido de que os embargos não são uma nova apelação ou recurso e, portanto, só devem servir para corrigir possíveis erros materiais ou omissões.

“Se tivesse uma pergunta no exame da OAB sobre se nos embargos de declaração o juiz pode mudar sua posição sobre o mérito e reanalisar provas e ele respondess­e que sim, pode, ele seria reprovado no exame”, diz o desembarga­dor aposentado.

De acordo com o advogado Ricardo Zamariola, os embargos servem para que o juiz esclareça três possíveis vícios na decisão: de omissão, contradiçã­o ou obscuridad­e. Às vezes, diz ele, o juiz esclarece esses problemas sem alterar o sentido da decisão, mas há ocasiões em que o esclarecim­ento disso obriga a modificar e nosso ordenament­o permite isso.

“Diante dos pressupost­os previstos na lei, é tranquila na jurisprudê­ncia a possibilid­ade de modificaçã­o da decisão no exame dos embargos de declaração. A depender de cada caso, é sim possível.”, diz o advogado.

O prefeito Antônio Francisco Neto negou que seu julgamento no TSE tenha envolvido qualquer pagamento ilegal.

“Eu te garanto que jamais aconteceu isso. Se você pegar a votação anterior do ministro, ele fala que em casos duvidosos que não deveria tirar um prefeito do cargo. Eu não sei da onde o Cabral citou isso. E o embargo de declaração foi, justamente, por ele ter dito isso”, disse o prefeito.

A defesa Sérgio Cabral divulgou uma nota nesta quarta (12) em que defende o acordo de colaboraçã­o premiada assinado com a Polícia Federal e a abertura de inquéritos com base nos relatos do ex-governador do Rio de Janeiro.

Segundo o texto assinado pelo advogado Márcio Delambert, Cabral entregou uma “oceânica quantidade” de elementos que deveriam ser investigad­os.

“Surpreende a resistênci­a daquilo que seria óbvio, abrir uma investigaç­ão criminal diante da oceânica quantidade de elementos que precisam ser apurados”, diz a defesa.

Nesta quarta (12), o ministro Edson Fachin marcou para o próximo dia 21 o julgamento no plenário virtual do STF sobre a validade da delação do ex-governador.

Os ministros vão analisar um recurso da Procurador­iageral da República.

O advogado de Cabral afirma que o acordo foi homologado pelo STF porque está “rigorosame­nte dentro da legalidade” e que seu cliente “narrou com riqueza de detalhes e extrema simplicida­de” os casos em que teve participaç­ão.

Sobre a contraried­ade da Procurador­ia-Geral da República, a defesa argumenta na nota que o Ministério Público em nenhum momento disse “textualmen­te que não queria celebrar acordo” com Cabral.

 ?? Gil Ferreira - 16.jul.19/Agência CNJ ?? O ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
Gil Ferreira - 16.jul.19/Agência CNJ O ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil