Câmara dos Deputados aprova projeto que engessa oposição
Texto do relator acata sugestões da esquerda, mas é acusado de autoritarismo
brasília A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta (12) projeto de resolução que muda o regimento interno para limitar as ferramentas que a oposição pode usar para criar obstáculos em votações.
Com aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a urgência do projeto de resolução foi aprovada na terça (11), após acordo feito por ele com a oposição e o Novo para tentar amenizar o texto. A primeira tentativa de votar o requerimento, no dia 5, gerou forte reação desses partidos.
O texto foi aprovado por 337 a 110. Lira, na sequência, promulgou o projeto de resolução, que ainda precisa ser publicado no Diário da Câmara.
O relator do texto, o vicepresidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), reuniu-se com a oposição na manhã de terça para negociar mudanças no texto, mas não houve acordo. Os dois lados tiveram nova conversa, e o deputado acatou alguns pleitos, mas opositores ainda viram autoritarismo na versão aprovada.
O relatório de Ramos revoga dispositivos que tratam da prorrogação da sessão e reduz o tempo de fala de deputados na discussão de projetos. Hoje, as sessões ordinárias duram cinco horas, sendo três delas —prorrogáveis— para apreciação de proposições que compõem a pauta. O projeto de resolução retira a menção a prazo desse artigo e também do dispositivo que trata das sessões extraordinárias —que hoje duram quatro horas.
Na sessão, oposição e partidos contrários ao projeto em discussão podem usar o chamado “kit obstrução”, série de requerimentos para adiar a votação ou retirar de pauta um texto. Além disso, os líderes podem pedir tempo regimental para falar sobre um assunto.
Com isso, os deputados conseguem retardar a tramitação de textos ou arrastar a discussão a nova sessão, quando é possível usar novamente alguns requerimentos e em que os líderes podem voltar a solicitar tempo para falar.
Ao retirar o prazo das sessões, isso se perde, dizem parlamentares. E, sem prazo, a sessão poderia ser encerrada só após a apreciação de todos os projetos da pauta do dia.
O projeto encurta em 2 minutos —de 5 para 3 minutos— o tempo para encaminhamento de votação do autor de um requerimento e do deputado contrário. Mudança inicial encurtava de 1 minuto para 30 s o tempo de orientação de bancadas. Mas, na votação em plenário, a oposição alcançou acordo para manter 1 minuto.
Lira, porém, afirmou que acabaria com o costume de dar um minuto para deputados que quisessem se manifestar nas votações. O texto permite iniciar a votação com a orientação em andamento, possibilidade que é criticada por deputados por não permitir que um colega seja convencido de seus argumentos.
Ramos manteve a possibilidade de apresentação de destaques (propostas de modificação do texto) simples por parlamentares, desde que com a aprovação unânime dos líderes. “Ao acabar com o destaque individual, ele tirava aquela possibilidade que o parlamentar tem de, mesmo não tendo a possibilidade do apoiamento do seu partido ao seu destaque, marcar posição sobre matéria com a qual ele tem vinculação, com segmento com o qual ele tem compromissos”, disse o relator.
No relatório, Ramos vedou que deputados possam usar a palavra sobre a proposição em discussão para falar em sentido contrário ao que se inscreveu —se fizer isso, poderá ter a palavra retirada.
Ele ainda indicou que, na hipótese de rejeição do substitutivo, ou na votação de projeto sem substitutivo, será votada a proposição inicial e as emendas a ela apresentadas.
Hoje, se o substitutivo fosse rejeitado ou na votação de texto sem substitutivo, a proposição inicial seria votada por último, após as emendas.
Ramos acatou emenda para permitir que o presidente de uma comissão possa suspender a reunião por uma única vez, pelo prazo máximo de uma hora. Depois disso, a sessão será considerada encerrada. A possibilidade se estende ao presidente da sessão.
Na justificativa do projeto, argumenta-se que o objetivo é que as regras de funcionamento do plenário “favoreçam
o debate democrático”, “garantindo maior fluidez às sessões e possibilitando ao colegiado utilizar seu tempo de forma eficiente”.
Lira negou que o texto final tenha sido conquistado à força. “Não foi conquistado na marra, foi conquistado no diálogo, na conversa.”
Já a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que, com a votação do projeto, a Câmara endossa algo “que é muito perceptível e a maior característica do governo Bolsonaro, que é o autoritarismo, a não permissão das vozes divergentes.”
“É lamentável que isso seja feito por pessoas que se dizem democratas, que se dizem contráriasàagendaautoritáriado governo Bolsonaro e que querem calar a voz da oposição.”
Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), haverá menos espaço para contradição. “Porque a contradição, deputado Arthur Lira, a quem respeito como presidente, não se dá no momento da discussão. Ela se dá no momento em que a minoria tem o poder de fazer obstrução. A obstrução legítima, prevista hoje no regimento, é o tempo para que a sociedade brasileira tome conhecimento das matérias”, disse.
Autor do projeto de resolução inicial, o deputado Eli Borges (Solidariedade-TO) defendeu as mudanças. “Quando temos, ainda um regimento com 16 requerimentos obstrutivos, 27 encaminhamentos em cada um destes requerimentos obstrutivos, vários debatedores contra e a favor, e, em média, 5 destaques ou mais em matérias importantes, nós precisaríamos de 14 horas e 51 minutos para aprovar uma matéria.”
Lira disse que o regimento anterior, de 1989, “possuía dispositivos da época do regime militar, de 1972, quando havia o bipartidarismo”.