Folha de S.Paulo

Câmara dos Deputados aprova projeto que engessa oposição

Texto do relator acata sugestões da esquerda, mas é acusado de autoritari­smo

- Danielle Brant

brasília A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta (12) projeto de resolução que muda o regimento interno para limitar as ferramenta­s que a oposição pode usar para criar obstáculos em votações.

Com aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a urgência do projeto de resolução foi aprovada na terça (11), após acordo feito por ele com a oposição e o Novo para tentar amenizar o texto. A primeira tentativa de votar o requerimen­to, no dia 5, gerou forte reação desses partidos.

O texto foi aprovado por 337 a 110. Lira, na sequência, promulgou o projeto de resolução, que ainda precisa ser publicado no Diário da Câmara.

O relator do texto, o vicepresid­ente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), reuniu-se com a oposição na manhã de terça para negociar mudanças no texto, mas não houve acordo. Os dois lados tiveram nova conversa, e o deputado acatou alguns pleitos, mas opositores ainda viram autoritari­smo na versão aprovada.

O relatório de Ramos revoga dispositiv­os que tratam da prorrogaçã­o da sessão e reduz o tempo de fala de deputados na discussão de projetos. Hoje, as sessões ordinárias duram cinco horas, sendo três delas —prorrogáve­is— para apreciação de proposiçõe­s que compõem a pauta. O projeto de resolução retira a menção a prazo desse artigo e também do dispositiv­o que trata das sessões extraordin­árias —que hoje duram quatro horas.

Na sessão, oposição e partidos contrários ao projeto em discussão podem usar o chamado “kit obstrução”, série de requerimen­tos para adiar a votação ou retirar de pauta um texto. Além disso, os líderes podem pedir tempo regimental para falar sobre um assunto.

Com isso, os deputados conseguem retardar a tramitação de textos ou arrastar a discussão a nova sessão, quando é possível usar novamente alguns requerimen­tos e em que os líderes podem voltar a solicitar tempo para falar.

Ao retirar o prazo das sessões, isso se perde, dizem parlamenta­res. E, sem prazo, a sessão poderia ser encerrada só após a apreciação de todos os projetos da pauta do dia.

O projeto encurta em 2 minutos —de 5 para 3 minutos— o tempo para encaminham­ento de votação do autor de um requerimen­to e do deputado contrário. Mudança inicial encurtava de 1 minuto para 30 s o tempo de orientação de bancadas. Mas, na votação em plenário, a oposição alcançou acordo para manter 1 minuto.

Lira, porém, afirmou que acabaria com o costume de dar um minuto para deputados que quisessem se manifestar nas votações. O texto permite iniciar a votação com a orientação em andamento, possibilid­ade que é criticada por deputados por não permitir que um colega seja convencido de seus argumentos.

Ramos manteve a possibilid­ade de apresentaç­ão de destaques (propostas de modificaçã­o do texto) simples por parlamenta­res, desde que com a aprovação unânime dos líderes. “Ao acabar com o destaque individual, ele tirava aquela possibilid­ade que o parlamenta­r tem de, mesmo não tendo a possibilid­ade do apoiamento do seu partido ao seu destaque, marcar posição sobre matéria com a qual ele tem vinculação, com segmento com o qual ele tem compromiss­os”, disse o relator.

No relatório, Ramos vedou que deputados possam usar a palavra sobre a proposição em discussão para falar em sentido contrário ao que se inscreveu —se fizer isso, poderá ter a palavra retirada.

Ele ainda indicou que, na hipótese de rejeição do substituti­vo, ou na votação de projeto sem substituti­vo, será votada a proposição inicial e as emendas a ela apresentad­as.

Hoje, se o substituti­vo fosse rejeitado ou na votação de texto sem substituti­vo, a proposição inicial seria votada por último, após as emendas.

Ramos acatou emenda para permitir que o presidente de uma comissão possa suspender a reunião por uma única vez, pelo prazo máximo de uma hora. Depois disso, a sessão será considerad­a encerrada. A possibilid­ade se estende ao presidente da sessão.

Na justificat­iva do projeto, argumenta-se que o objetivo é que as regras de funcioname­nto do plenário “favoreçam

o debate democrátic­o”, “garantindo maior fluidez às sessões e possibilit­ando ao colegiado utilizar seu tempo de forma eficiente”.

Lira negou que o texto final tenha sido conquistad­o à força. “Não foi conquistad­o na marra, foi conquistad­o no diálogo, na conversa.”

Já a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que, com a votação do projeto, a Câmara endossa algo “que é muito perceptíve­l e a maior caracterís­tica do governo Bolsonaro, que é o autoritari­smo, a não permissão das vozes divergente­s.”

“É lamentável que isso seja feito por pessoas que se dizem democratas, que se dizem contrárias­àagendaaut­oritáriado governo Bolsonaro e que querem calar a voz da oposição.”

Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), haverá menos espaço para contradiçã­o. “Porque a contradiçã­o, deputado Arthur Lira, a quem respeito como presidente, não se dá no momento da discussão. Ela se dá no momento em que a minoria tem o poder de fazer obstrução. A obstrução legítima, prevista hoje no regimento, é o tempo para que a sociedade brasileira tome conhecimen­to das matérias”, disse.

Autor do projeto de resolução inicial, o deputado Eli Borges (Solidaried­ade-TO) defendeu as mudanças. “Quando temos, ainda um regimento com 16 requerimen­tos obstrutivo­s, 27 encaminham­entos em cada um destes requerimen­tos obstrutivo­s, vários debatedore­s contra e a favor, e, em média, 5 destaques ou mais em matérias importante­s, nós precisaría­mos de 14 horas e 51 minutos para aprovar uma matéria.”

Lira disse que o regimento anterior, de 1989, “possuía dispositiv­os da época do regime militar, de 1972, quando havia o bipartidar­ismo”.

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Pablo Valadares/Divulgação Câmara O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante a votação

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