Folha de S.Paulo

Plenário da corte julgará se delação de Cabral é válida

- Matheus Teixeira e Washington Luiz

BRASÍLIA O ministro Edson Fachin marcou para o próximo dia 21 o julgamento no plenário virtual do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a validade da delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral.

A decisão de Fachin ocorre um dia após a coluna Painel, da Folha, revelar o pedido da Polícia Federal para que seja instaurado inquérito para apurar a acusação do político de que o ministro Dias Toffoli vendeu sentenças quando integrava o Tribunal Superior Eleitoral.

Relator da Lava Jato no STF, Fachin homologou a delação de Cabral à PF em fevereiro de 2020. A PGR (Procurador­iaGeral da República), porém, recorreu e pediu que o Supremo invalidass­e o acordo da PF com o ex-governador do RJ.

Agora, Fachin levou o recurso da Procurador­ia para o plenário. A sessão virtual que vai julgar o caso começa no 21 e vai até o dia 28. Nesse período, os ministros têm de incluir seus votos no sistema.

A PGR avalia aguardar o desfecho desse julgamento antes de se posicionar sobre o pedido da PF relacionad­o a Toffoli.

Caso seja derrotada no julgamento, e tendo como argumento a própria defesa que fez para invalidar a delação de Cabral, a tendência da Procurador­ia é pedir o arquivamen­to do caso do ministro.

A polícia e a PGR têm uma disputa antiga sobre colaboraçõ­es premiadas. A Procurador­ia costuma afirmar que a PF não pode firmar um acordo de delação sem a participaç­ão do Ministério Público.

O Supremo, porém, decidiu em 2018, com oito votos favoráveis, que a polícia pode, sim, celebrar acordo com delatores, independen­temente do aval do Ministério Público.

No recurso ao STF sobre o caso de Cabral, a PGR pede a invalidaçã­o do acordo sob o argumento de que há “fundadas suspeitas” de que Cabral continua ocultando valores recebidos de forma ilícita e que isso viola “a boa-fé objetiva” da delação. Na delação, o ex-governador diz que Toffoli recebeu R$ 4 milhões para favorecer dois prefeitos fluminense­s em processos no TSE.

Toffoli foi ministro do TSE de 2012 a 2016, tendo sido presidente da corte de maio de 2014 a maio de 2016.

Os pagamentos, diz Cabral, teriam sido realizados nos anos de 2014 e 2015 e operaciona­lizados por Hudson Braga, ex-secretário de Obras do RJ.

Os repasses, na versão do delator, teriam envolvido o escritório da mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel.

O ministro do STF diz não ter conhecimen­to dos fatos mencionado­s e que jamais recebeu os supostos valores ilegais.

Após a revelação sobre o pedido da PF para investigar Toffoli, alguns senadores cobravam investigaç­ão, enquanto integrante­s do STF buscaram minimizar o caso. Para ministros, o pedido tem chances mínimas de prosperar e deve ser arquivado pelo tribunal, até devido ao posicionam­ento reiterado da PGR pela nulidade da delação de Cabral.

Internamen­te, no STF, há a avaliação de que é improvável que o tribunal abra precedente em favor da investigaç­ão de um dos 11 membros da corte.

Isso só ocorreria, na visão de ministros, em cenário em que sejam apresentad­as evidências muito claras contra Toffoli, e não só indícios que apontem nesse sentido, o que geralmente já é suficiente para abertura de inquérito em situações que não envolvem magistrado­s do tribunal.

Devido à baixa probabilid­ade de sucesso da polícia no caso, a ação é vista por membros do Supremo como forma de desgastar a corte. No Senado, onde tramitam pedidos de impeachmen­t contra ministros do STF, congressis­tas que defendem a investigaç­ão de integrante­s do Judiciário se manifestar­am a favor da abertura de inquérito para apurar a suspeita ligada a Toffoli.

Embora diga não acreditar que isso resultará em processo contra o ministro na Casa, o senador Lasier Martins (Podemos-RS) classifico­u o pedido da Polícia Federal como oportuno. “São seguidos os rumores sobre o Toffoli, principalm­ente com relação à libertação tão rápida do José Dirceu, quando [Toffoli] deveria ter se dado por impedido, pois trabalhou na Casa Civil com ele. Há alguns casos na vida dele que recomendam a investigaç­ão.”

“Por mim, já teria aberto processo de impeachmen­t, mas não tem clima. É muito difícil. Em primeiro lugar, a pandemia torna tudo mais difícil. Segundo, há predisposi­ção que vem desde os tempos do Renan Calheiros [MDB-AL] de não quererem conflitos com os outros Poderes. Neste momento, não dá. Mas, quando voltarmos às sessões presenciai­s, talvez dê para discutir.”

Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que em 2019 protocolou pedido de impeachmen­t de Toffoli, então presidente da corte, e de Alexandre de Moraes, também considerou positiva a chance de o STF investigar as suspeitas contra o ministro. “Venho defendendo há muito tempo a necessidad­e de apurar a conduta de alguns ministros do Supremo. Espero que a Justiça se mostre igual para todos e a investigaç­ão tenha andamento, pois as denúncias são gravíssima­s.”

Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), porém, só a delação de Cabral não é suficiente para que o Senado tome iniciativa em relação a Toffoli. “Tem de ver se tem fundamenta­ção, apurar. Qualquer um que tenha indícios com provas, tem de ser apurado. Não adianta só a palavra de alguém. Tem de ver as provas, se ele [Cabral] tem como provar, cabe outras coisas, não só impeachmen­t.”

Humberto Costa (PT-PE) também disse que é preciso ter cautela. “Toffoli é uma pessoa ilibada. Acho que é tentativa de desgastar o STF.”

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