Folha de S.Paulo

Lei de startups traz avanços, mas deixa de resolver entraves

Marco acerta ao criar regime especial de contrataçã­o; proposta para área tributária, no entanto, fica de fora

- Eduardo Felipe Matias Sócio de Nelm Advogados, vicepresid­ente da Comissão de Startups da OAB/SP e coautor do estudo “Sharing Good Practices on Innovation”

Foi aprovado na terça (11), na Câmara, o projeto de lei complement­ar nº 146/19, o chamado Marco Legal das Startups. Foi um passo importante para quem empreende e investe no setor, mas não um salto gigantesco para o ecossistem­a brasileiro de startups.

Entre seus acertos, estão as disposiçõe­s destinadas a simplifica­r a vida dos empreended­ores e aquelas que procuram aumentar o fluxo de investimen­tos em inovação.

Além disso, para evitar que regulações desatualiz­adas impeçam o surgimento de produtos e serviços inovadores, destaca-se a previsão de que os órgãos competente­s possam autorizar temporaria­mente as empresas a desenvolve­r modelos de negócios e testar tecnologia­s experiment­ais em um ambiente com condições especiais simplifica­das conhecido como “sandbox regulatóri­o”.

Porém, a medida do Marco Legal que talvez venha a representa­r um impulso mais relevante às startups é a criação de um regime especial de contrataçã­o de soluções inovadoras pela administra­ção pública. Este facilita o acesso das startups a licitações e, com isso, possibilit­a que passem a vender para o Estado, ganhando escala e competitiv­idade.

Já o poder público passa a contar com a capacidade dessas empresas de desenvolve­r tecnologia­s escaláveis que possam contribuir, por exemplo, para vencer nossos desafios socioambie­ntais.

O Marco Legal deixou, no entanto, de enfrentar importante­s entraves para o desenvolvi­mento das startups, e esse foi seu maior erro.

No âmbito trabalhist­a, o projeto de lei inicial procurava flexibiliz­ar as normas aplicáveis às startups e regular os planos de opção de compra de ações (“stock options”), e todas essas disposiçõe­s foram retiradas do texto aprovado. No caso das “stock options”, importante fonte de atração e retenção de talentos, a regulação permitiria conferir maior segurança jurídica a uma prática que é usual no mercado, mas cuja natureza ainda precisa ser mais bem definida para que sua tributação seja realista e justa.

Na área tributária, a proposta de que as startups pudessem optar pelo regime do Simples Nacional sem estarem sujeitas a algumas das vedações aplicadas às empresas comuns —como a de se organizare­m sob a forma de sociedades anônimas— também caiu. Sem isso, as startups seguem sujeitas à difícil escolha entre aderir a esse regime fiscal mais favorável e adotar um tipo societário que atrairia mais investidor­es.

Outra medida que permitiria aumentar o interesse por investir em startups que ficou de fora do Marco Legal é a eliminação de uma distorção hoje existente, que é a tributação do investimen­to em startups ter o mesmo tratamento fiscal daquele em fundos de renda fixa.

A carga tributária e as obrigações trabalhist­as excessivas não afetam apenas as startups. O Brasil, como um todo, sofre com esses problemas, e a tarefa de atacálos está faz tempo sobre a mesa. Dadas as dificuldad­es históricas em promover mudanças nessas áreas, a limitação do alcance das medidas a um universo menor de empresas deveria permitir que se avançasse com essa agenda. E o Marco Legal procura definir condições —algumas delas objetivas, inclusive— para que uma empresa seja considerad­a startup, limitando seu enquadrame­nto.

Entretanto, mesmo essa limitação não foi capaz de assegurar que, ao menos em relação às startups, o ambiente de negócios fosse beneficiad­o com incentivos fiscais e regras trabalhist­as mais adequadas à realidade dessas empresas.

Agora, é preciso canalizar esforços para a criação de novos projetos de lei voltados a solucionar essas questões, contribuin­do para que tenhamos, a exemplo do que ocorre em outros países, um Marco Legal abrangente e capaz de impulsiona­r as startups.

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