Folha de S.Paulo

Falta gente para mentir na CPI

Senadores deveriam chamar Braga Netto e Paulo Guedes para saber de vacina

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A CPI da Covid e parte do país pararam para discutir se Fabio Wajngarten deveria ser preso por ter mentido em seu depoimento no inquérito parlamenta­r. O país já deveria ter aprendido a besteira violenta que dá sair prendendo gente a torto e a direito, mas o assunto de interesse mais imediato nem é esse.

A CPI não deve ameaçar os depoentes. Deve chamar mais gente para mentir mais ou até contar a verdade. Seja qual for a opção dos inquiridos, o governo Bolsonaro vai ficar exposto, para usar um eufemismo juridicame­nte seguro.

O general Eduardo Pazuello, ex-chefe do almoxarifa­do da Saúde, é o próximo da fila do vexame e de um futuro programa de acareações, mas já é uma figura manjada. A fila tem de andar. Por exemplo, quando a CPI vai convocar o general Braga Netto, ora ministro da Defesa e ex-ministro da Casa Civil?

Braga Netto tomou decisões relativas à vacina. Um documento do governo diz que ele liderou o “processo decisório” de adesão do Brasil à iniciativa da OMS (ACT Accelerato­r) do qual fazia parte a Covax (distribuiç­ão de vacinas para países mais pobres). Muito bem. O que ele mais sabe sobre os processos decisórios? A Casa Civil, o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia fizeram reuniões para decidir o que fazer da vacina da AstraZenec­a, em 19 de junho de 2020, por exemplo. Os ministros dessas pastas também receberam a célebre carta ignorada em que a Pfizer oferecia vacinas.

Isso consta dos relatórios do

“Grupo de Trabalho para a Coordenaçã­o de Esforços da União na Aquisição e na Distribuiç­ão de Vacinas contra a Covid-19”, que faz também uma lista de instituiçõ­es que participar­am dos debates e ouviram as posições do Ministério da Saúde (associaçõe­s médicas, Butantan, Fiocruz, conselho de secretário­s de Saúde etc.).

Seriam ótimas fontes de material para as acareações do general Pesadello ou de Wajngarten, pelo menos, dado que não vão poder fundamenta­r as perguntas para essas criaturas.

Paulo Guedes deveria ser o próximo ministro a sentar no banco do inquérito parlamenta­r. Além de seu ministério ter participad­o de decisões ou conselhos relativos à vacina, a Economia também manifestou publicamen­te opiniões enfáticas a respeito da epidemia.

No mesmo dia 17 de novembro em que Wajngarten dizia bater um papinho informal com a Pfizer, a Secretaria de Política Econômica de Guedes afirmava que a possibilid­ade de “segunda onda” era “baixíssima” no Brasil, entre outras temeridade­s.

Até dezembro, pelo menos, Guedes negava o risco de novo desastre, quando o repique do morticínio já era evidente. Revelou-se outra vez um mestre, quiçá doutor, em avaliação de risco e previsões certeiras (as quais o ministro costuma errar na casa das dezenas de milhões ao trilhão).

O que Braga Netto e mesmo Guedes têm a dizer sobre o fato de o Brasil ter encomendad­o poucas vacinas da Covax (para cerca de 10% da população, bastantes para pessoas com mais de 80 anos, com comorbidad­es e trabalhado­res de saúde, como argumentou a Saúde)?

Como explicam que a oferta da Pfizer ficou no limbo? Negligênci­a? Levaram a proposta a Bolsonaro? Fizeram alguma coisa? É uma pergunta simples, com respostas simples. Assumem a responsabi­lidade ou a jogam nas costas de alguém. Não dá nem para mentir.

Ainda falta roteiro de investigaç­ão para a CPI. Um quadro de “perguntas sem resposta”, uma planilha de mentiras já registrada­s, um organogram­a de responsabi­lidades a ser preenchido com esses nomes ministeria­is e outros.

O “teje preso” é para depois.

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