Folha de S.Paulo

Tragédias e letalidade marcam grupo da polícia responsáve­l por ação no RJ

Core, da Polícia Civil, esteve em tiroteios que vitimaram jovens inocentes e com suspeitas de execução; apurações não andaram

- Italo Nogueira e Júlia Barbon

rio de janeiro Responsáve­l pela operação mais letal da história do Rio de Janeiro, que deixou 28 mortos na semana passada no Jacarezinh­o, a “tropa de elite” da Polícia Civil acumula ações trágicas e alta taxa de mortes em suas incursões em favelas.

Foi uma operação da Core (Coordenado­ria de Recursos Especiais) que motivou a ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que impôs exigências para as ações em favelas durante a pandemia.

A medida foi pedida na corte após a morte do menino João Pedro Mattos, 14, durante uma operação da tropa em São Gonçalo em maio de 2020, junto com agentes da Polícia Federal. O homicídio até hoje não foi esclarecid­o.

Alta taxa de letalidade, casos trágicos e sem esclarecim­ento são frequentes nas ações dessa tropa da Polícia Civil.

Segundo dados do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismo­s da UFF (Universida­de Federal Fluminense), a média de mortos por operação da Core entre janeiro de 2007 e abril de 2021 é de 0,66, frente aos 0,74 registrado­s pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais), da Polícia Militar.

No caso da Core, foram 419 ações com 277 óbitos no período. No do Bope, 987 ações com 732 óbitos. Os dois números são superiores à média geral de 0,41 por incursão consideran­do todas as operações policiais no período.

A Core, por sua vez, realiza prisões com mais frequência do que o Bope. Enquanto em 56% das operações da tropa de elite da Polícia Civil têm registros de presos, o percentual cai para 30,6% nas incursões do grupo da PM.

Para o coordenado­r do Geni/UFF, Daniel Hirata, o levantamen­to, feito a pedido da Folha, mostra que “a especializ­ação que está se criando nesses grupos é contrário ao respeito dos direitos humanos e à preservaçã­o da vida como valor último da segurança pública”.

“O que se espera dessas unidades especiais é que elas sejam mais preparadas, com excelência em tiros defensivos. Espera-se que o preparo tático no momento das operações policiais seja superior ao dos batalhões de área e com uma letalidade menor”, afirma o pesquisado­r.

Procurada para comentar a atuação da Core, a Polícia Civil afirmou em nota apenas que todas as polícias do mundo possuem suas unidades táticas para o cumpriment­o de suas missões constituci­onais.

Uma das operações letais do grupo da Polícia Civil aconteceu em 2012, quando cinco pessoas foram mortas em supostos confrontos com a Core na favela do Rola, zona oeste do Rio de Janeiro. Dois anos depois, oito policiais foram denunciado­s sob acusação de homicídio qualificad­o.

Três deles eram tripulante­s do helicópter­o da tropa. Imagens feitas por um policial da aeronave mostraram que um traficante fugia sem disparar contra a polícia quando foi morto, o que não confirma a tese de legítima defesa apontada pelos acusados.

Eles foram absolvidos sumariamen­te em 2017, antes da análise do Tribunal do Júri, pelo juiz Carlos Gustavo Vianna Direito. O magistrado entendeu que, “diante da operação

“O que se espera dessas unidades especiais é que elas sejam mais preparadas, com excelência em tiros defensivos. Espera-se que o preparo tático no momento das operações policiais seja superior ao dos batalhões de área e com uma letalidade menor Daniel Hirata coordenado­r do Geni/UFF

de grande risco em que vários disparos de arma de fogo foram efetuados, não era possível exigir conduta diversa dos acusados diante do iminente risco de morte”.

Essa foi uma rara denúncia oferecida contra agentes da Core nos últimos anos.

Não foi o destino de outros três policiais envolvidos num homicídio no morro do Banco (zona oeste), em maio de 2014. Imagens mostram Alysson Fernando Silva de Lima, 23, levantando as mãos ao ser rendido pelos policiais da Core.

No momento em ques esentan acalçada, disparos são ouvidos, masa câmera que filmava a ação muda o enquadrame­nto. Em seguida, o jovem aparece caí dono asfalto.

Não houve conclusão dessa investigaç­ão.

Também segue sem esclarecim­ento a morte de Marcos Vinicius da Silva, 14, no Complexo da Maré em 2018, numa ação coma participaç­ão da Core. O mesmo ocorre coma soito mortes ocorridas na favela do Salgueiro em 2017, em incursão que também contou com agentes do Exército.

Até 2016, os registros de mortes provocadas por agentes da tropa eram registrado­s e investigad­os na própria coordenado­ria. Apenas em casos mais rumorosos a Corregedor­ia agia, como na operação da favela do Rola.

A transferên­cia da apuração para a Divisão de Homicídios, porém, não diminuiu a desconfian­ça entre observador­es da segurança pública fluminense. O fato de fazerem parte da mesma corporação mantinha dúvidas sobre a isenção dos inquéritos.

No ano passado, o STF determinou que o Ministério Público estadual instaure procedimen­tos para realizar investigaç­ões independen­tes sobre mortes provocadas por policiais. A Promotoria afirma ter em curso 44 apurações próprias, além da força-tarefa criada nesta terça (11) para avaliar o massacre do Jacarezinh­o.

A Core foi criada como um espelho do Bope na Polícia Civil. Com blindados —os “caveirões”—, armamento pesado e helicópter­os, atropaéalv ode críticas por fugir da atribuição investigat­iva da corporação.

“A Polícia Civil argumenta que ela é necessária para executar mandados de prisão, dizem que não teriam como executar mandados em áreas de risco sem essa equipe especial. Na prática, concorrem com o Bope e são uma força extremamen­te letal. Fazem a mesma coisa, têm a mesma cultura de confronto, de entrar em áreas de risco”, afirma o sociólogo Ignácio Cano, da Uerj.

O ex-chefe da Polícia Civil Fernando Veloso defende a existência da tropa. Ele afirma que a Core é uma unidade de apoio essencial para as atividades de polícia judiciária.

“Uma das possíveis causas da alta letalidade pode ser porque se submetem ao enfrentame­nto das situações com maior possibilid­ade de resultado letal. Eles não intervêm em situações em que o grau de risco seja pequeno. Se o risco for pequeno, não é a função deles”, diz Veloso.

“Agora, não podemos negar que eles são preparados para o uso máximo da força que a polícia pode empregar. Esse preparo se faz necessário pelo uso máximo do enfrentame­nto. O enfrentame­nto deles dificilmen­te vai ser com revólver. O dia a dia das unidades de elite é enfrentar bandidos fortemente armados.”

Vizinho à sede da Core desde 2013, que fica no complexo da Cidade da Polícia, o Jacarezinh­o já foi palco de outras operações da tropa, tendo enfrentado situações semelhante­s à da semana passada.

Em agosto de 2017, o atirador de elite Bruno Guimarães Buhles foi morto durante uma operação na favela. O homicídio foi seguido de operações diárias na região ao longo de uma semana. Duas pessoas morreram —entre elas uma mulher de 50 anos— e três ficaram feridas nos confrontos.

Em janeiro do ano seguinte, o delegado Fábio Monteiro foi encontrado morto em uma favela próxima ao Jacarezinh­o. A comunidade voltou a ser alvo de operações e, um ano depois, o suspeito do homicídio foi morto em suposto confronto com agentes da Core.

As duas mortes são mencionada­s no relatório de inteligênc­ia da Polícia Civil sobre a operação da semana passada para contextual­izar a quadrilha que atua no Jacarezinh­o.

“Uma das possíveis causas da alta letalidade pode ser porque se submetem ao enfrentame­nto das situações com maior possibilid­ade de resultado letal. Eles não intervêm em situações em que o grau de risco seja pequeno Fernando Veloso ex-chefe da Polícia Civil

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Ricardo Moraes/Reuters Missa no Jacarezinh­o na noite desta quarta
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Fonte: Geni/UFF

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