Folha de S.Paulo

Paris circa 2012

Mesmo quando nossas bússolas de viagem não envelhecem bem, não as deixamos

- Zeca Camargo Jornalista e apresentad­or, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”

Faz tempo que ninguém me pede dicas de Paris, a cidade que talvez eu melhor conheça fora do Brasil. Deve ser porque ninguém que conheço tem ido a Paris... Especialme­nte quem tem um passaporte brasileiro.

Há poucas semanas da minha vez de tomar vacina, no entanto, sou otimista. Mesmo que eu tome a Coronavac, ainda não aprovada pela comunidade europeia, aposto que a China já está empenhada em mudar isso, para que não apenas nós, mas os próprios chineses (que viajam ligeiramen­te mais do que os brasileiro­s), tenham um passaporte de vacinas respeitado mundialmen­te.

Por isso, recentemen­te pensei em atualizar minha lista de dicas parisiense­s e fui remexer em antigos artigos de revistas de turismo. Sim, eu sou do tipo que ainda compra revista. E me deparei com duas reportagen­s sobre Paris, uma de 2010 e outra de 2012.

A primeira era da Travel and Leisure, e prometia ao leitor os “segredos” da capital francesa. Escrita por uma repórter americana que morava na cidade havia algum tempo, as dicas não me pareceram tão secretas assim... Mesmo assim, o que chamou minha atenção foram as dicas de hotéis e restaurant­es: com raras exceções, todas saíam do radar.

A segunda reportagem era da Time Out, a revista sobre Londres que já foi a referência mais forte para todas as publicaçõe­s sobre a vida urbana e cultural das grandes (e mais divertidas) cidades do mundo. O título já emprestou seu o prestígio a várias delas: Lisboa, Dubai, Sydney, Nova York, Miami e, numa breve encarnação, até São Paulo.

Paris, claro, também foi alvo da Time Out por anos, com uma completíss­ima edição local. Mas, como se isso não bastasse, a própria edição londrina eventualme­nte fazia edições especiais com Paris na capa, para convencer os ingleses de que valia mesmo a pena “atravessar a lagoa”, uma brincadeir­a do humor inglês para se referir às terras além da ilha.

A que eu guardei é de março de 2012 e anuncia 50 dicas, “do cool mais ousado ao chique clássico”. Resolvi conferir.

Novamente, me surpreendi com a quantidade de coisas entre as recomendaç­ões da Time Out que haviam saído de moda ou simplesmen­te fecharam.

Tudo bem que numa cidade dinâmica como Paris, se muita coisa muda de uma estação para a outra, imagine depois de mais de nove anos! Mas eu comecei a refletir como essas listas de recomendaç­ões que a gente faz envelhecem...

Viajar é uma experiênci­a extremamen­te pessoal e, por isso mesmo, quando alguém pede uma dica para quem já conhece algum destino, ela é supervalor­izada. Percebo isso inclusive nas minhas redes sociais.

Quando eu falo de viagem por lá, tem dois tipos de comentário­s que eu adoro. Um tem a ver com a sugestão de que a pessoa vai guardar aquela dica para quando ela for até lá. O outro, de que gosto mais ainda, é quando alguém reconhece em uma recomendaç­ão minha um lugar que ele também já visitou. “@biarodanos­pes, olha aquele bistrô que a gente adorou, o Zeca Camargo foi lá também!”

Essa identifica­ção, que põe um viajante experiente no mesmo patamar de alguém que talvez esteja saindo do seu país pela primeira vez, é puro prazer.

E é isso que eu mesmo procuro quando guardo reportagen­s como essa, guias alternativ­os, blogs que respeito e vídeos diferentes de viagem. Assim como sou referência para muitos, tenho cá também minhas “bússolas”. Que, como percebo agora, muitas vezes não envelhecem bem. Nem por isso a gente se cansa de usá-las.

Sonhando que a próxima viagem a Paris está mais perto, uma recompensa para o pesadelo que estamos vivendo (cujo o horror maior, importante lembrar, não é estar preso ao seu país, mas ver ele morrendo por incompetên­cia das suas autoridade­s), já comecei hoje mesmo a fazer uma nova lista de lugares “descolados” a que quero ir em breve por lá.

Uma mistura de endereços manjados ou outros ainda desconheci­dos, que logo vou indicar para quem quiser sonhar comigo em visitar Paris. Pela primeira ou pela centésima vez.

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