Folha de S.Paulo

Petista retoma território­s, e presidente vê base mais restrita

Lula lidera em grupos de baixa renda, e Bolsonaro tem perdas em núcleo fiel

- ANÁLISE Bruno Boghossian brasília

A fidelidade da base lulista e a hesitação do eleitorado que aderiu a Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 ajudam a explicar o descolamen­to entre os dois principais personagen­s da próxima corrida presidenci­al.

De volta ao jogo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou condenaçõe­s que o impediam de concorrer no ano que vem, o ex-presidente Lula (PT) retomou o controle de território­s tradiciona­lmente petistas, de acordo com números da primeira pesquisa do Datafolha para a disputa de 2022.

Uma fatia da vantagem que o ex-presidente abriu sobre seus adversário­s aparece principalm­ente no grupo mais pobre da população —o que sugere que bandeiras petistas como as plataforma­s de distribuiç­ão de renda e redução da pobreza ainda ressoam nesse eleitorado.

Os números indicam que essa faixa é uma trincheira inicial de Lula. Entre eleitores que ganham até dois salários mínimos, o petista aparece com 47% no primeiro turno. Nos demais grupos de renda, ele não passa de 34%. Também está ali sua menor rejeição: 29%, contra mais de 40% em outros segmentos de renda.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, os mais pobres dariam ao petista uma vitória por 60% a 28%.

A margem de Lula nesse recorte é relevante, no ponto de partida, porque o segmento de baixa renda representa mais da metade do eleitorado brasileiro. Além disso, esses grupos foram alvos de investidas de Bolsonaro ao longo do último ano.

O pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio emergencia­l, até setembro de 2020, aproximou esse eleitorado da órbita do presidente. O segmento ajudou o governo, em certa medida, a manter sua aprovação estável na pandemia e após a crise com o exjuiz Sergio Moro, quando Bolsonaro perdeu popularida­de em grupos de renda mais alta.

Os índices do Datafolha apontam que o presidente se agarra, agora, a uma base mais restrita. Com nova rodada do auxílio em valores menores, Bolsonaro não avançou entre os mais pobres. Do outro lado, ele tem seus maiores índices de rejeição em segmentos mais ricos e com escolarida­de mais alta.

Embora o presidente tenha consolidad­o um eleitorado fiel, ele encontra esse obstáculo em sua corrida à reeleição. Brasileiro­s com ensino superior completo foram alguns dos primeiros grupos a impulsiona­r a candidatur­a de Bolsonaro em 2018, abrindo caminho para sua vitória.

Agora, parte deles rejeita o presidente e parece buscar uma alternativ­a. Nesse segmento, Lula tem 30%, contra 22% de Bolsonaro, enquanto outros 36% se dividem entre os candidatos que disputam o rótulo da terceira via: Ciro Gomes (11%), Sergio Moro (10%), João Amoêdo (6%), Luciano Huck, João Doria e Luiz Henrique Mandetta (3% cada um).

Esse pelotão, no entanto, não ameaça a vaga de Bolsonaro no segundo turno ou a liderança de Lula em nenhum recorte da população com peso relevante na pesquisa. Pode ser um sinal de que o eleitorado que rejeita os dois principais concorrent­es não é tão numeroso quanto gostariam os demais candidatos.

Caso o cenário se cristalize como disputa concentrad­a entre Lula e Bolsonaro, a corrida vai se desenhar ao longo do próximo ano a partir dos movimentos dos dois líderes para preservar redutos, ampliar seus domínios e estimular a rejeição ao adversário.

No numeroso segmento de baixa renda, o desempenho da economia e o uso da caneta presidenci­al podem mexer nas curvas de intenção de voto. Ainda que os petistas enxerguem vínculo histórico com esse grupo, a experiênci­a do auxílio emergencia­l mostrou que parte dos eleitores responde rapidament­e a medidas que tenham efeito direto sobre seu bolso.

As discussões no governo sobre a ampliação de despesas, os benefícios prometidos pelo presidente a categorias como caminhonei­ros e o enfraqueci­mento da agenda de cortes do ministro Paulo Guedes (Economia) indicam que Bolsonaro tem disposição para tomar decisões com potencial eleitoral consideráv­el.

Além disso, auxiliares do presidente esperam que sinais de recuperaçã­o econômica e avanços na vacinação, embora extremamen­te lentos, possam se consolidar até 2022 e ajudar a reduzir a rejeição ao governo pela condução da resposta à pandemia.

A esperança dos bolsonaris­tas é recuperar, assim, parte do eleitorado que esteve com o presidente em 2018 e que não votaria em Lula em 2022. O foco da campanha seria despertar de novo o antipetism­o, especialme­nte em segmentos da classe média e em grupos mais ricos.

Para aliados do governo, se nenhum outro candidato se mostrar competitiv­o até os meses finais da campanha, parte desse eleitorado pode se aproximar de Bolsonaro por gravidade para derrotar o PT.

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