Folha de S.Paulo

É preciso um plano nacional para a demência

- Cleusa Ferri Psiquiatra e epidemiolo­gista, líder do projeto STRiDE no Brasil. Professora do departamen­to de psiquiatri­a da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo) e médica no Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Mais de 50 milhões de pessoas vivem com demência no mundo, e a previsão é que serão 150 milhões em 2050. Este aumento será mais acentuado em países mais pobres, como o Brasil, onde há cerca de dois milhões delas, sendo uma das causas principais de incapacida­de e dependênci­a nos idosos.

A demência afeta principalm­ente as pessoas mais velhas, embora não faça parte do envelhecim­ento normal.

Tem como causa diversas doenças cerebrais, sendo amais comum a doença de Alzheimer.

Cada pessoa vivencia a demência de forma diferente. Mas, em geral, devido a sua natureza progressiv­a e incapacita­nte, todas em algum momento vão precisar de ajuda para a realização das atividades da vida diária. O ônus do cuidado decorrente é sobretudo dos familiares, os principais cuidadores —com frequência eles têm sua própria saúde comprometi­da devido a esta responsabi­lidade.

Os custos financeiro­s da demência são mais altos em países ricos devido principalm­ente à composição etária e a maiores taxas de diagnóstic­o, tratamento e cuidado em geral. No entanto, a proporção do custo informal é mais alta em países mais pobres. No Brasil, quase dois terços dos custos totais advêm do cuidado informal realizado pelos familiares.

Apesar da sua importânci­a, a demência é pouco conhecida pela população em geral e mesmo por profission­ais de saúde, o que se traduz em falta de diagnóstic­o e tratamento oportuno. São fundamenta­is estratégia­s que contribuam para aumentar o conhecimen­to da sociedade e que garantam que as pessoas com demência e seus familiares possam ter melhor qualidade de vida.

Em 2017, a OMS ( Organizaçã­o Mundial de Saúde) lançou o “Plano de Ação Global de Respostas à Demência” que almejava ter, até 2025, 75% dos países com estratégia­s ou planos nacionais desenvolvi­dos ou atualizado­s. No próximo dia 26 de maio, durante a Assembleia Mundial de Saúde, será avaliado o progresso feito neste plano de ação.

No Brasil, diversas iniciativa­s surgiram nos últimos anos, mostrando o início de uma mobilizaçã­o de vários setores. Diferentes projetos de lei estão em tramitação, com destaque para a aprovação recente de um projeto de lei (nº 769/19) para a criação de um programa, no âmbito da cidade São Paulo, de apoio às pessoas com demência e aos seus familiares, com o apoio do grupo Graz (Grupo de Alzheimer).

Destaco também o projeto STRiDE-Brasil, uma parceria internacio­nal com apoio da OMS e da ADI (Alzheimer Disease Internatio­nal), que visa fortalecer respostas à demência no país com foco especial na redução do estigma e nas estimativa­s de necessidad­es e custos (atuais e futuros) da demência no país.

Em parceria com o Ministério da Saúde, será realizado o Primeiro Relatório Nacional sobre a Demência no país, que fornecerá um retrato detalhado sobre a situação atual da demência, além de elementos importante­s para o planejamen­to do cuidado às pessoas que possuem essas alterações cerebrais, seu reconhecim­ento e também a prevenção.

Urge que essas iniciativa­s, entre outras, sejam integradas de modo a contribuir para a construção de uma estratégia nacional que use os recursos já existentes, incorporan­do de forma efetiva novos elementos para garantir —além da prevenção— o cuidado e o suporte que as pessoas com demência e seus familiares necessitam.

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