Folha de S.Paulo

Meia do Real Madrid é símbolo de talento renovado do Uruguai

Federico Valverde foge do estereótip­o do volante uruguaio, raçudo e marcador, e adota estilo europeu

- Bruno Rodrigues

são paulo Javier Aznar, escritor espanhol, é uma entre tantas pessoas com dificuldad­e de entender a capacidade uruguaia de gerar talentos para a elite do futebol mundial.

“De onde que o Uruguai tira tantos futebolist­as competente­s? Eles têm uma linha de montagem? Por que conheço mais jogadores uruguaios que italianos de repente? São só 3,4 milhões de habitantes”, escreveu um perplexo Aznar no início de 2020, em sua coluna na revista Líbero, acompanhad­a de uma foto de Federico Valverde, meio-campista titular do Real Madrid.

Mesmo em uma temporada atrapalhad­a por lesões e pela Covid-19, Valverde é peça importante no Real que busca mais um título espanhol. Vice-líder com 75 pontos, o clube está a 5 do líder Atlético de Madrid, e enfrenta nesta quinta-feira (13) o Granada.

Edinson Cavani e Luis Suárez são os nomes que imediatame­nte saltam à lembrança como protagonis­tas do Uruguai nas principais ligas europeias da última década. Diego Godín e José Giménez montaram uma parede na defesa do Atlético de Madrid por anos seguidos até a saída do primeiro, em 2019, para a Itália.

É difícil, porém, citar um meio-campista que tenha no passado recente o mesmo sucesso que seus compatriot­as de zaga ou ataque. Basicament­e, os meias uruguaios eram atletas de muita entrega e poder de marcação, o estereótip­o do uruguaio raçudo que faz o trabalho sujo para os mais talentosos brilharem.

Graças a um processo de renovação colocado em prática pelo técnico Óscar Tabárez na Copa do Mundo de 2018, na Rússia, essa ideia está mudando. O jogo da Celeste, agora, passa pelo bom manejo da bola no meio de campo. E há jovens talentos à disposição do Maestro para seguir levando esse plano adiante, com Valverde como expoente dessa geração.

No jogo que decretou a eliminação dos sul-americanos no último Mundial, contra a França, nas quartas de final, a faixa central foi escalada com Lucas Torreira, Nahitan Nández, Matías Vecino e Rodrigo Bentancur. Entre os quatro, uma média de idade de apenas 22,7 anos. Tabárez ainda tinha De Arrascaeta, à época com 24, como opção no banco.

Federico Valverde, com 19 anos, foi um dos pré-convocados para o torneio, mas foi cortado da lista final. Hoje, aos 22, ele não é só titular de sua seleção como recebe elogios da imprensa europeia e, mais importante que isso, reafirma a cada atuação pelo Real Madrid a confiança depositada por seu técnico, Zinedine Zidane —ele próprio entusiasta de bons jogadores uruguaios, com um filho que se chama Enzo em homenagem a Enzo Francescol­i.

“O futebol é essencial para o Uruguai, as pessoas morrem por seus clubes. E quando você é criança, a primeira coisa que ganha é uma bola. Temos uma população pequena, então o fato de produzir tantos jogadores nos enche de orgulho”, disse Valverde, em entrevista recente ao Guardian.

Revelado pelo Peñarol em 2015, ele deixou o país no ano seguinte quando atingiu a maioridade, contratado pelo Real Madrid para o time B.

Disputou a temporada 2017/2018 de LaLiga emprestado ao Deportivo La Coruña, para que ganhasse experiênci­a. Tímido no trato pessoal, contou com a ajuda dos pais, que foram à Espanha viver próximo ao filho para acompanhá-lo na adaptação.

“Além da qualidade técnica e de sua capacidade física, escutar foi uma de suas principais virtudes. O único lugar onde ele sobe o tom de voz é dentro de campo”, diz à Folha Celso Borges, ex-colega de Valverde no Deportivo.

Após 25 jogos pela equipe na elite espanhola, viu o clube ser rebaixado ao fim da temporada e voltou ao Real Madrid.

Utilizado como suplente na temporada 2018/2019, Federico Valverde se afirmou no time madridista após o retorno de Zinedine Zidane ao comando. Com o técnico francês, já cumpriu diversas funções pelo lado direito, seja como meia por dentro, meia mais aberto ou até como lateral, marcando e atacando os espaços para chegar à frente.

No vestiário do estádio Santiago Bernabéu, os armários dos jogadores são ordenados de acordo com o número de suas camisas. Casemiro, o 14, e Valverde, o 15, sentam lado a lado. Com o brasileiro, o jovem repete o expediente dos tempos de Deportivo: falar pouco e ouvir com atenção.

“Eu disse que Valverde será um dos melhores meias do mundo em dois anos. Acho que me equivoquei porque ele está adiantado. Demonstrou que é um jogador muito importante e segue tranquilo. Essa é sua grande virtude dentro e fora de campo”, disse Casemiro à revista Líbero.

O volante brasileiro não vê o uruguaio como seu substituto no Real Madrid, mas sim com caracterís­ticas mais próximas de Luka Modric e Toni Kroos, meias criadores e de maior capacidade ofensiva.

“Com sua qualidade, pode jogar em qualquer lugar no meio de campo, mas creio que seu jogo é de área a área. Tem um desempenho físico que é incrível”, diz Casemiro.

A análise do camisa 14 corrobora a mudança de estilo que se vê na formação do meio-campista uruguaio, e passa pela consolidaç­ão desses jovens talentos nas grandes ligas do futebol europeu.

“Marcar bem, ter sempre defesas sólidas, isso não vai mudar porque é parte da nossa identidade [como uruguaios]. Mas todos nós que estamos no meio de campo temos outra forma de atuar. Tratamos de jogar, de ter mais a bola. Isso vai mudando o jogo do Uruguai”, analisa Valverde.

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Gabriel Bouys - 21.out.20/AFP Valverde em jogo do Real Madrid

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