Folha de S.Paulo

Ex-secretário de Cabral nega pagamento a Toffoli

Plano aponta pagamentos semelhante­s a Globo, Record e SBT, apesar da diferença de audiência

- Vinicius Sassine

O ex-secretário de Obras do Rio de Janeiro Hudson Braga negou ter feito pagamento ao ministro do STF Dias Toffoli para que este favorecess­e dois prefeitos fluminense­s em processos no TSE, como consta em delação do ex-governador Sérgio Cabral.

O plano de mídia do governo Jair Bolsonaro para os primeiros dois meses da campanha de vacinação contra a Covid-19 previu pagamentos de merchandis­ing a apresentad­ores bolsonaris­tas da RedeTV!, gastos com emissoras religiosas superiores a pagamentos a canais fechados e valores semelhante­s para Globo, Record e SBT, apesar da discrepânc­ia de audiência e alcance entre as emissoras.

A Folha obteve uma cópia do plano, referente a veiculaçõe­s em janeiro, quando começou a vacinação no Brasil, e em fevereiro. O documento foi elaborado para o Ministério da Saúde, que o aprovou.

O plano passou pelo crivo da Secom (Secretaria Especial de Comunicaçã­o Social), quando ainda era comandada por Fabio Wajngarten, como confirmou o Ministério da Saúde à reportagem. Wajngarten foi demitido do cargo em março.

Na CPI da Covid no Senado, onde prestou depoimento na quarta-feira (12), o ex-secretário foi questionad­o por diversas vezes sobre ações de comunicaçã­o do governo federal na pandemia e sobre iniciativa­s de publicidad­e contrárias ao distanciam­ento social e a favor do chamado traR$ tamento precoce —que inclui drogas sem eficácia comprovada contra o novo coronavíru­s, como a cloroquina.

O plano de mídia relacionad­o à vacinação, com data de 21 de janeiro, previu uma única ação nacional de merchandis­ing, com gastos de R$ 479,3 mil para veiculaçõe­s ao longo de fevereiro.

Foi escolhida, nesse plano, somente a RedeTV!, com merchandis­ing previsto para sete programas de TV.

Um dos donos da emissora, Marcelo de Carvalho, é apoiador fervoroso do presidente Jair Bolsonaro. No depoimento aos senadores, Wajngarten citou o empresário.

O ex-secretário de Comunicaçã­o do governo Bolsonaro disse ter sido informado por Carvalho sobre a carta da farmacêuti­ca Pfizer, enviada ao governo com manifestaç­ão de interesse de venda de vacinas contra a Covid-19 e que permanecia sem resposta.

“Naquela ocasião ele tinha uma apresentad­ora que era casada com o ‘general manager’ da Pfizer. ‘Fabio, tem uma carta da Pfizer que foi enviada ao governo e não foi respondida’”, afirmou no depoimento.

Conforme o plano de mídia do Ministério da Saúde, haveria duas inserções de merchandis­ing no programa de Carvalho, Mega Senha.

Os pagamentos citados se referem ao gasto com a emissora e ao cachê do apresentad­or. Nesse caso, o cachê previsto foi de R$ 20 mil.

Outro bolsonaris­ta da RedeTV!, Luís Ernesto Lacombe, também deveria fazer ações de merchandis­ing sobre a vacinação em seu programa, o Opinião No Ar. Foram previstas cinco inserções, conforme o plano de mídia. O cachê foi estabeleci­do em R$ 20 mil.

A também bolsonaris­ta Luciana Gimenez integrou o plano de mídia do Ministério da Saúde, com três inserções previstas em seu programa, o SuperPop. O cachê da apresentad­ora era de R$ 15 mil. O plano listou mais quatro programas da RedeTV! para ações de merchandis­ing.

Nem o Ministério da Saúde nem a emissora confirmara­m se as inserções foram feitas e se os pagamentos foram efetivados. A reportagem localizou ações do tipo feitas por Lacombe em seu programa.

Segundo o Ministério da Saúde, as inserções foram pensadas a partir de ações semelhante­s em veículos regionais.

“Houve uma proposta técnica por parte da agência licitada de ações de merchan regionais, onde foram feitas 385 inserções, e, por não possuir ações de merchan regionais ao vivo, foi formulada uma proposta nacional com os programas de maior audiência da emissora da RedeTV!”, disse a pasta, em nota.

A RedeTV! não respondeu aos questionam­entos da reportagem sobre execução do plano de mídia e recebiment­os do governo. “A RedeTV! não divulga seus contratos comerciais”, afirmou.

A campanha de vacinação previu ainda o pagamento de R$ 509,8 mil para inserções em canais religiosos de TV em janeiro. O valor é superior aos R$ 445,6 mil previstos para emissoras fechadas.

O Ministério da Saúde não explicou os critérios para essas previsões do plano.

Na TV aberta, o gasto previsto com inserções em rede nacional, sem o contar o merchandis­ing na RedeTV!, somou R$ 17 milhões.

Para a TV Globo, líder em audiência, o plano previu R$ 5,23 milhões, com veiculaçõe­s entre janeiro e fevereiro.

O valor é bem próximo do que foi reservado para TV Record e SBT, apesar da menor audiência: R$ 5,21 milhão e 4,78 milhão. Na RedeTV!, por sua vez, o gasto previsto foi de R$ 729,2 mil, além do merchandis­ing.

Os donos de Record e SBT, Edir Macedo e Silvio Santos, respectiva­mente, são apoiadores de Bolsonaro.

O ministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, é casado com a apresentad­ora Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos. A pasta de Faria passou a abrigar a Secom, antes diretament­e vinculada à Presidênci­a da República.

Segundo o Ministério da Saúde, a distribuiç­ão por emissora foi feita com base em critérios técnicos. A pasta afirmou ter levado em conta índices de audiência e afinidade; avaliação de perfil, segmento e cobertura de cada emissora; e pesquisas de audiência feitas num período de seis meses.

Os critérios usados para o fim de janeiro e fevereiro não foram os mesmos usados para março, abril e maio, conforme o ministério. “Para cada mês houve uma nova proposta técnica enviada pela agência licitada.”

A pasta afirmou ainda que segue uma instrução normativa de abril de 2018, “que define que as ações de comunicaçã­o do governo federal devem ser submetidas para avaliação da Secretaria Especial de Comunicaçã­o”.

A Secom não respondeu aos questionam­entos da reportagem, enviados na tarde de quarta-feira (12).

O SBT, em nota, disse que “não tem autorizaçã­o para fornecer detalhes e números negociados com seus anunciante­s”. A TV Record não respondeu à reportagem. Os questionam­entos foram enviados na tarde de quarta-feira.

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Divulgação RedeTV! O jornalista Luís Ernesto Lacombe no cenário de programa apresentad­o por ele na RedeTV!

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