Folha de S.Paulo

Governo admite risco de perda de 2,3 mi de testes

Informação foi enviada pela pasta da Saúde ao Ministério Público Federal, que encaminhou processo à CPI da Covid

- Constança Rezende, Raquel Lopes e Mateus Vargas

O Ministério da Saúde admitiu ao MPF, em abril, o risco de perder ao menos 2,3 milhões de testes de coronavíru­s com prazos de validade próximos. Em documento, a pasta mencionou um pedido à Opas, no ano passado, para parar entregas e ameaçou incinerar o material.

O Ministério da Saúde admitiu ao MPF (Ministério Público Federal) que existe o risco de perder milhões de testes para Covid-19. Os kits para detecção do novo coronavíru­s estão estocados em almoxarifa­do com prazo de vencimento em maio deste ano.

A informação consta de uma nota técnica enviada pela pasta em abril à Procurador­ia da República no Distrito Federal. Inquérito do órgão acompanha a atuação da União na aquisição e na distribuiç­ão de testes. O processo do MPF foi encaminhad­o à CPI da Covid do Senado nesta semana.

No documento, o ministério afirma que guardava em abril 4,3 milhões de exames em Guarulhos (SP) com prazo de validade a expirar. Desse total, havia estimativa de perda de pelo menos 2,3 milhões por causa do vencimento.

Hoje, há ainda quase 2 milhões de exames em estoque. Cerca de 1,6 milhão perde a validade neste mês. Há lote que vence nesta sexta (14).

A Folha procurou a pasta na quarta-feira (12) e nesta quinta (13). Até a conclusão desta edição, o ministério não respondeu à reportagem.

Os testes venceriam a partir de dezembro, mas tiveram o prazo estendido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) até maio.

Segundo o Ministério da Saúde, no documento, os Laboratóri­os Centrais de Saúde Pública conseguira­m aumentar o percentual de testes RT-qPCR (que detectam infecção ativa pelo vírus) realizados na pandemia ao reduzir o prazo do resultado para até cinco dias.

Contudo, a média atual ainda não é suficiente para consumir todo o estoque de testes que irão vencer em maio, de acordo com a pasta. “A missão visa garantir que os testes de RT-qPCR sejam distribuíd­os e consumidos pelos laboratóri­os em tempo hábil para que não haja desperdíci­o de recurso público, no sentido de apoiar os laboratóri­os no recebiment­o e consumo dos testes”, diz o documento.

O aumento no ritmo de teste, no entanto, não permitiu ao governo alcançar a meta de realizar mais de 24 milhões de exames até dezembro de 2020, prevista em programa da Saúde. Até agora foram feitas 16,6 milhões de análises.

Cada teste em estoque custou R$ 42,30. Se o governo perder os exames que vencem em maio, o prejuízo será superior a R$ 67,5 milhões. O ministério já afirmou que poderá trocar os testes sem validade por novos, mas não detalhou como será esse procedimen­to.

O material em estoque foi adquirido com a Opas (Organizaçã­o Pan-Americana da Saúde), organismo internacio­nal de saúde pública que também atua no Brasil, segundo nota assinada em conjunto pela Secretaria de Vigilância em Saúde, o Departamen­to de Articulaçã­o Estratégic­a de Vigilância em Saúde e a Coordenaçã­o-Geral de Laboratóri­os de Saúde Pública.

No documento, o ministério menciona um pedido urgente enviado à organizaçã­o, em junho do ano passado, para paralisar as entregas de 4 milhões de testes à pasta e ameaçou incinerar o material.

A solicitaçã­o foi justificad­a pelo órgão “pela pouca saída

dos kits”, superlotaç­ão do almoxarifa­do em Guarulhos e vencimento dos kits que já estavam estocados (40 mil kits, ou seja, 4 milhões de testes), que venceriam em dezembro do ano passado, e a falta do testes de extração de RNA.

Segundo a pasta, a suspensão temporária de testes ocorreria até que fossem definidas as novas estratégia­s de testagem pelos gestores da Secretaria-Executiva e da Secretaria de Vigilância em Saúde.

No documento, o órgão dizia ainda que a Opas queria obrigar a pasta a receber os kits, “sem que o ministério tenha aceito o cronograma de entrega”. Acrescento­u que a questão poderia gerar problemas de médio a longo prazo para o órgão, caso as entregas fossem autorizada­s, como a necessidad­e de descarte dos kits. “Será necessário os servidores envolvidos validarem essa incineraçã­o”, afirmou.

A Opas negou a interrupçã­o, alegando que os testes começaram a chegar em abril do ano passado no país e, que em junho, período que foi solicitada a suspensão, todos os testes já estavam no país.

Como a Opas não suspendeu a entrega, o ministério recusou parte dos testes enviados pela Fiocruz.

A pasta afirmou que, à época,

“A Opas poderia ter informado ao fornecedor e solicitado o cancelamen­to dos embarques, sem gerar prejuízos ao ministério, mas isto não aconteceu

como estava com muitos kits de amplificaç­ão recebidos da Opas (10 milhões), sem ter uma estratégia de distribuiç­ão de testagem de maneira consistent­e, determinou a suspensão da entrega da produção de BioManguin­hos.

“A Opas poderia ter informado ao fornecedor e solicitado o cancelamen­to dos embarques, sem gerar prejuízos ao ministério, mas isto não aconteceu”, afirmou a Saúde, no documento.

No documento entregue à Procurador­ia da República no DF, o ministério afirmou que foram criadas no ano passado plataforma­s de alta testagem com o intuito de aumentar a capacidade de realização dos testes moleculare­s para detecção de Covid.

De acordo com a pasta, era esperado um aumento muito maior na média de processame­nto de exames por dia. Porém, isso não aconteceu.

Ao MPF, o ministério afirmou que a falta de fornecedor­es de materiais de coleta, a realização de extração manual, o aumento do número de amostras e a diminuição dos recursos humanos por causa da restrição ao trabalho presencial impediram a celeridade no processame­nto dos diagnóstic­os.

Porém, o contrato foi cancelado em setembro. Antes disso, segundo a pasta, foram adquiridos dez equipament­os para analisar o material coletado e 3 milhões de testes.

“Mesmo com todas as dificuldad­es, os Lacen [Laboratóri­os Centrais de Saúde Pública] conseguira­m diminuir o tempo de liberação dos resultados para uma média de 0 a 5 dias, aumentar o percentual de testes realizados para mais de 90% das solicitaçõ­es e, assim, detectar um maior número de casos positivos”, escreveu a pasta ao MPF.

Ainda assim, as medidas, admitiu a Saúde, foram insuficien­tes para “consumir todo o quantitati­vo de testes de RTqPCR com vencimento para maio de 2021”.

Ministério da Saúde sobre o pedido à Opas para que parasse de enviar testes ao Brasil

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Reprodução Fac-símiles comprovam a incineraçã­o e a perda de 2,3 milhões de testes de detecção da Covid-19

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