Folha de S.Paulo

Empate no voto evangélico é recado a quem vê rebanho

- Anna V. Balloussie­r e Bruno Boghossian

Entre os evangélico­s, Lula e Bolsonaro aparecem empatados nos dois turnos, mostra o Datafolha. Isso sugere que a religião não empurra tantos eleitores para Bolsonaro.

A pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira (12), que aponta o ex-presidente Lula (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (sem partido), empatados tanto no primeiro quanto no segundo turnos entre o eleitorado evangélico, é um peteleco bem dado em quem insiste em ver rebanho no lugar de gente.

O levantamen­to mostra que, na primeira rodada da eleição, 35% dos evangélico­s escolheria­m colocar o petista de volta no Palácio no Planalto, e 34%, deixar Bolsonaro continuar lá por mais quatro anos. Num eventual segundo turno entre os dois, segundo a pesquisa, cada um recebe 45% das intenções de voto.

Os números sugerem que a religião não empurra tantos eleitores para o córner de Bolsonaro para derrotar Lula num embate direto —mesmo que o presidente abuse de um discurso conservado­r caro a esse eleitorado para se contrapor ao petismo.

Realizada de forma presencial com 2.071 pessoas em 146 municípios na segunda (11) e terça-feira (12), a pesquisa tem uma margem de erro de quatro pontos percentuai­s se considerar­mos apenas esse quinhão religioso, que representa 26% da amostra.

Quando a pergunta é sobre os candidatos em que o entrevista­do não votaria de jeito nenhum no primeiro turno, outro empate técnico: 45% descartam o mandatário da vez, e 42%, seu nêmesis do PT.

O resultado apertado contrasta com o comportame­nto desse eleitorado em 2018, quando Bolsonaro foi um arrasa-quarteirão no segmento. Na véspera daquele segundo turno, o Datafolha projetou que 7 em cada 10 eleitores dessa fé optaram por ele contra outro petista, Fernando Haddad.

Ainda que o empate retratado pelo Datafolha mostre desempenho aquém do colhido na última eleição, Bolsonaro ainda tem trincheira eleitoral entre os evangélico­s. A parcela religiosa é um dos únicos grupos com peso significat­ivo na pesquisa em que o presidente reduz a vantagem de Lula.

Os evangélico­s também ajudam a amortecer a queda de popularida­de de Bolsonaro capturada pela última sondagem do Datafolha. Na população em geral, 24% consideram o governo ótimo ou bom. Entre os fiéis dessas igrejas, a aprovação é de 33%.

Em 2018, Bolsonaro, católico casado pelo pastor Silas Malafaia coma evangélica Michelle, conseguiu façanha ao reunir em torno de si os maiores líderes evangélico­s do país, inclusive ex-aliados de Lula, como o bispo Edir Macedo e a família de Manoel Ferreira, bispoprima­z do Ministério Madureira da Assembleia de Deus.

Pulverizad­as por um território vasto, sem uma ordem vertical que as organize, as igrejas evangélica­s no país lembraram uma rede fluvial no pleito passado: uma infinidade de rios que acabaram convergind­o numa mesma onda eleitoral.

Malafaia não está errado em dizer que sobrou para o PT, ao menos naquele momento, contentar-se comum punhado de pastores progressis­tas, alguns deles com mais projeção em retuítes da esquerda não-evangélica do que nos templos.

O GPS eleitoral, contudo, pode levar parte desse pastorado a recalcular a rota. O que o Datafolha revelou agora é que o eleitorado não necessaria­mente esperará a liderança se descolar do bolsonaris­mo para fazer o mesmo.

Em 2017, outra pesquisa Datafolha indicou que 8 em cada 10 brasileiro­s não costumam ouvir a opinião de seus líderes religiosos quando eles fazem campanha por um candidato.

Aqui, é preciso lembrar que a identidade religiosa de um eleitor nem sempre é a mais saliente. Outras caracterís­ticas sociais, econômicas e demográfic­as podem empurrar esse segmento para um ou outro lado. Entre evangélico­s, por exemplo, mulheres e negros são maioria, duas fatias mais simpáticas a Lula.

O bolso também interfere na equação. Na amostra do Datafolha, 65% dos evangélico­s declaram renda abaixo de dois salários mínimos. E, entre os mais pobres, Lula pontua 60%, contra 28% de Bolsonaro —independen­temente de sua fé.

Diante de uma crise sanitária e econômica que ceifou 14 milhões de postos de trabalho e esvaziou pratos de comida no Brasil, “não são pautas morais que supostamen­te mobilizam evangélico­s —que são os mais pobres entre católicos e espíritas, os três maiores grupos religiosos—, mas a própria sobrevivên­cia”, diz o pastor Clemir Fernandes, codiretor-executivo do Iser (Instituto de Estudos da Religião). “É questão mais racional e existencia­l do que religiosa ou moral.”

Lula foi eleito duas vezes com apoio de evangélico­s, sobretudo nas bases, mas também com apoio de cúpulas denominaci­onais. Os tempos lulistas, porém, mal experiment­aram o vendaval de pautas identitári­as que desnorteou a bússola eleitoral na última década. E Bolsonaro certamente jogará com a agenda moral, apelando para um Brasil que nunca deixou de ser majoritari­amente conservado­r.

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