Folha de S.Paulo

Caratecas buscam vagas na 1ª e talvez única Olimpíada da modalidade

Esporte faz sua estreia nos Jogos de Tóquio, mas já não aparece na programaçã­o para Paris-2024

- Alex Sabino

Na sua primeira aula de caratê, aos 16 anos, Valéria Kumizaki ouviu do professor uma pergunta que jamais esqueceu. “Ele me questionou se eu sabia que com aquele esporte eu poderia ir para o Pan-Americano ou até, um dia, para a Olimpíada. Eu não tinha ideia”, afirma a carateca, hoje com 36 anos.

Quando isso aconteceu, Douglas Brose, 35, já estava na seleção brasileira e sofria para financiar suas viagens para participar de competiçõe­s. “Todos os dias acordo pensando na Olimpíada”, confessa.

Pela primeira vez, em Tóquio, o caratê fará parte dos Jogos. E pode ser a última. A modalidade não está no programa para Paris-2024 e não se sabe se voltará para Los Angeles-2028. Isso deixa os atletas brasileiro­s com o sentimento de que esta pode ser a única oportunida­de de suas vidas.

“Meu pensamento é de agora ou nunca. Mas ao mesmo tempo eu tenho uma chance que as gerações anteriores não tiveram. Muita gente do caratê queria ir para uma Olimpíada e não pôde”, analisa Valéria, que está na Sérvia em período de treinament­os antes do pré-olímpico, que será realizado a partir de 11 de junho.

“Eu concordo. É agora ou nunca. Tenho doado a minha vida para tentar estar lá. Pordisputa­dos que sabemos ser a única chance que temos, de fazer história para o nosso esporte, de chegar lá e buscar, quem sabe, uma medalha”, diz Brose, que passou duas semanas em Paris e retornou ao Brasil na semana passada.

A dificuldad­e não é apenas essa. Não se trata somente da barreira psicológic­a de entrar em uma competição sabendo que, se falhar, pode nunca mais ter chance de ir ao evento máximo do esporte.

Para ajustar a modalidade ao programa olímpico e por causa da pandemia de Covid-19, que limitou o número de competiçõe­s, houve uma readequaçã­o e isso restringiu o número de vagas. Diferentes categorias foram unificadas. Como as de até 60 kg e até 67 kg, por exemplo. As quatro vagas que seriam destinadas a elas se tornaram duas. Isso aconteceu também com caratecas de outros pesos.

As mudanças no formato de disputa nos Jogos Olímpicos mexeu com a situação de Vinicius Figueira. Em março do ano passado, o COB (Comitê Olímpico do Brasil), por causa de informaçõe­s passadas pela WKF (Federação Internacio­nal de Caratê), confirmou a vaga dele na Olimpíada depois do cancelamen­to de duas etapas do circuito mundial, na Espanha e em Marrocos. Mas a entidade depois resolveu que os torneios seriam

Eu sinto bastante ansiedade, mas sem ficar apavorada. Eu trabalhei a minha carreira toda por isso. Quero muito que aconteça porque é algo [o caratê nos Jogos] que a gente nem sabia se ocorreria

Valéria Kumizaki carateca

em 2021, o que tirou a classifica­ção do brasileiro pelo ranking.

“Foi um método que eles criaram para ter caratê na Olimpíada. Mas a gente fica no meio desse tiroteio”, diz Brose.

De acordo com os atletas, há quatro possibilid­ades de obter um lugar nos Jogos. Duas delas são por ranking, o europeu e o das Américas. Essas dependem de pontuações em torneios. Nenhum nome brasileiro tem resultados para isso. A última chance para Brose e Figueira será o préOlímpic­o. Como medalhista de ouro no Pan-Americano de 2019, em Lima, Valéria pode também receber uma carta-convite para a Olimpíada.

A complexida­de do sistema de classifica­ção, as mudanças de categorias e a incerteza causam nervosismo.

“Eu sinto bastante ansiedade, mas sem ficar apavorada. Eu trabalhei a minha carreira toda por isso. Quero muito que aconteça porque é algo [o caratê nos Jogos] que a gente nem sabia se ocorreria. Não deixo a ansiedade tomar conta, mas ela existe”, diz Valéria.

Há também a questão do apoio recebido pelos atletas com chances reais de qualificaç­ão. Os caratecas constatara­m a diferença. Valéria, quando começou a competir, contou com a ajuda dos pais, mas também confessa ter feito uma “dívida enorme” para as viagens. Ela afirma estar tudo pago hoje em dia.

Brose vendia rifas, bolos, fazia vaquinhas e tinha ajuda familiar no que era possível. Ele tem viva na memória a lembrança de competiçõe­s internacio­nais para as quais se classifico­u mas não pôde viajar por falta de dinheiro.

Esportista­s olímpicos têm maiores chances de obter verbas públicas ou privadas. Podem receber diferentes bolsas do governo federal, que variam de R$ 5 mil a R$ 15 mil mensais. Valéria e Brose são patrocinad­os pela Ajinomoto.

Se a modalidade não está no programa dos Jogos, tudo muda. A visibilida­de é menor.

“Eu não fico com gosto amargo [de ser a única chance de ir para Olimpíada] . Fico com gosto de que chegou a nossa vez. Muda muito. Eu tive a chance de vivenciar esse ciclo olímpico. O suporte e o apoio recebido são outros. A gente tinha muito pouco incentivo. Há um pouco de sofrimento também porque sabemos que depois, se não tiver mais [presença nos Jogos], vai perder um pouco disso”, constata Douglas Brose.

A intenção dos organizado­res de Paris-2024 é dar foco maior à juventude e a eventos urbanos. A maior novidade será o breakdance, na esteira do sucesso da modalidade nos Jogos da Juventude em Buenos Aires, em 2018.

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@douglasbro­seoficial no Facebook Acima, a carateca Valéria Kumizaki; ao lado, o carateca Douglas Brose
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Divulgação

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