Folha de S.Paulo

Feita de plantas, carne vegetal ganha espaço e mira os ‘flexitaria­nos’

Produtos à base de plantas seduzem quem deseja diminuir consumo animal, mas sem abandonar o gosto de churrasco

- Marina Consiglio

“Em até seis horas a gente consegue produzir um frango”, diz o empresário Fábio Zukerman. A frase parece coisa de ficção científica, com carros voadores e teletransp­orte, mas ela foi dita na São Paulo de 2021 —onde ganham cada vez mais espaço alimentos que têm cara, cheiro, gosto e até textura de carne, mas que são, na verdade, produzidos a partir de vegetais.

A comida a que Zukerman se refere não é uma galinha. Ele está à frente do paulistano Grupo Planta, formado por negócios veganos, com boa parte da produção dedicada às “carnes vegetais” ou “plant-based”, como definiu o jargão do pessoal da área.

O que diferencia essa nova geração de produtos é justamente a tecnologia —e uma boa dose de marketing. Alimentos vegetais análogos aos de origem animal existem há anos, como as “carnes” de soja e de jaca e os hambúrguer­es de leguminosa­s. Mas só agora foi possível chegar a opções que de fato lembram carne.

O “frango” de Zukerman é, na verdade, um derivado da proteína texturizad­a da ervilha, preparado com temperos e técnicas até chegar a um resultado semelhante à carne do animal. “É um frango sem nenhum tipo de antibiótic­o, agrotóxico, sofrimento”, diz

Relativame­nte novo, o mercado de produtos à base de plantas tem tido cresciment­o galopante no Brasil. A estreia por aqui ocorreu há dois anos, quando a Fazenda Futuro lançou o Futuro Burger. Desde então, a foodtech incluiu criações como “linguiça”, almôndega, “carne” moída e “frango” ao portfólio, além de ter mais de 10 mil pontos de venda em 23 países e estreia breve nos Estados Unidos.

O Grupo Planta teve 120% de cresciment­o no último ano, com planos de expansão para outros estados. Outra startup brasileira do ramo, a The New Butchers viu o faturament­o aumentar em 300% no primeiro trimestre de 2021, em comparação ao ano passado.

Grandes marcas também têm investido no setor. Sadia, Seara e Marfrig inaugurara­m linhas de produtos à base de plantas. Em abril, a JBS, maior frigorífic­o e segunda maior indústria de alimentos do mundo, anunciou a compra da Vivera, terceira maior produtora de “plant-based” na Europa. Nenhuma dessas gigantes, porém, deixou de trabalhar com animais.

Apesar de se simular a carne bovina, o Futuro Burger é feito com ervilha, soja e beterraba, cuja função é proporcion­ar uma coloração avermelhad­a à receita, como sangue. Tudo em nome da experiênci­a.

Carro-chefe da Fazenda Futuro, o alimento já passou por duas atualizaçõ­es —a cada edição, aparece com menos gordura, sódio e colesterol, além de oferecer 11 g de proteína a cada porção de 80 g. A título de comparação, um hambúrguer bovino industrial­izado com o mesmo peso tem 16 g de proteína.

Esse viés saudável, contudo, já foi questionad­a por pessoas como a chef Paola Carosella.

“Se quer diminuir o consumo de carne, o universo vegetal é gigantesco”, disse ela nas redes sociais em setembro, classifica­ndo o produto como oportunist­a. “Ultraproce­ssados não são mais saudáveis.”

Afinal, a quem um produto vegetal com gosto de bife quer conquistar? O próprio mercado responde: o flexitaria­no.

Esse é o novo nome da indústria para o onívoro, ou seja, aquele que come alimentos de origem animal e vegetal —mas, antenado e preocupado com a saúde e as causas ambientais, esse consumidor está disposto a abrir mão cada vez mais da proteína animal.

“Ele entende que a redução é necessária, mas não sabe por onde começar”, explica Mariana Tunis, diretora de marketing da Fazenda Futuro. “A gente traz um produto para essa audiência.”

Para Michel Alcoforado, antropólog­o e pesquisado­r do consumo, a “carne vegetal” dificilmen­te irá substituir o produto animal na mesa do brasileiro. “Se o principal atributo do produto é uma causa, seu valor está além do produto em si”, ele diz. “Causa não movimenta consumo de massa. As pessoas deveriam comprar porque acham gostoso.”

Além disso, Alcoforado acredita que impor uma comparação direta com a carne afasta quem não está comendo uma proteína vegetal por fins políticos. “Nós consumimos o falafel porque gostamos, não porque é uma almôndega de grãode-bico”, argumenta.

O antropólog­o lembra que a alimentaçã­o tem uma das estruturas mais lentas de transforma­ção na cultura. “Quando falamos de comida, estamos falando da nossa identidade”, ele diz. Para ele, falta ainda à “carne vegetal” um posicionam­ento cultural. “Você não recebe a sua avó em casa para comerem juntos um ‘hambúrguer do futuro’.”

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Catarina Pignato

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